A 5 de Setembro de 2008, realizaram-se em Angola as segundas eleições legislativas da história do país. Alcançada a independência a 11 de Novembro de 1975, este país africano apenas experimentou um processo eleitoral em 1992, depois das negociações entre o governo (MPLA) e a guerrilha (UNITA).
Como consequência da não-aceitação por parte da UNITA dos resultados saídos das urnas, o país voltou a mergulhar numa sangrenta guerra civil que durou cerca de 10 anos.
O processo desenvo...read more
A 5 de Setembro de 2008, realizaram-se em Angola as segundas eleições legislativas da história do país. Alcançada a independência a 11 de Novembro de 1975, este país africano apenas experimentou um processo eleitoral em 1992, depois das negociações entre o governo (MPLA) e a guerrilha (UNITA).
Como consequência da não-aceitação por parte da UNITA dos resultados saídos das urnas, o país voltou a mergulhar numa sangrenta guerra civil que durou cerca de 10 anos.
O processo desenvolvido para estas últimas eleições (2008) foi marcado por uma série de irregularidades que, embora contrariando a vontade de muitos de ver instaurado uma verdadeira democracia, não conseguiu calar a vontade da maioria de afastar uma vez por todas o fantasma da guerra. O monopólio por parte do governo dos órgãos de comunicação social públicos (televisão, rádio e jornal), o uso de fundos públicos na campanha do MPLA, o envolvimento de membros do estado (incluindo o presidente da república) na campanha do MPLA, entre muitas outras irregularidades graves, marcaram um processo que daria a maioria absoluta (mais de 80% dos votos) ao MPLA, partido no poder desde 1975.
Se tudo isto é real, outros aspectos positivos merecem o nosso realce e representam verdadeiras conquistas na democratização do país. Pela primeira vez, a sociedade civil angolana pôde envolver-se de forma concreta e directa em todo o processo eleitoral.
A associação OMUNGA produziu dois documentários educativos: “Angola Rumo ao Registo Eleitoral” e “Angola Rumo às Eleições Legislativas”, através dos jovens da brigada de Jornalistas e em parceria com a empresa MINIBUS Media. Estes documentários foram distribuídos por várias províncias do país e mesmo no estrangeiro. Desenvolveu também acções de sensibilização junto das mais variadas comunidades da província de Benguela, numa acção conjunta com a Comissão Provincial Eleitoral e a Rede Eleitoral de Benguela.
Na madrugada de 5 de Setembro, 4 membros da equipe do OMUNGA estavam no terreno a fazer a observação nas mesas de voto de assembleias dos municípios do Lobito e de Benguela, enquanto outros 4 faziam a cobertura jornalística passando pelos municípios do Bocoio e B.ª Farta e terminaram, já à noite e durante a contagem dos votos, no município do Lobito. A equipe estava complecta com dois motoristas e um coordenador provincial. Não esquecemos que um dos outros educadores fez parte de uma mesa de voto pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE).
O Centro de Informação e Documentação do OMUNGA transformou-se, durante vários dias, num posto avançado de observação dando apoio a cerca de 12 jovens observadores quase mortos pelo cansaço.
Se tudo isto foi uma experiência nova e motivante para todos estes jovens, não podemos esquecer as dezenas de jovens moradores de rua que puderam também exercer o seu direito de voto. Isto foi graças ao trabalho do OMUNGA durante o processo de registo eleitoral que, segundo consta, foi um trabalho inédito em Angola.
Para se fazer o registo eleitoral era necessário que os cidadãos tivessem um documento como o Bilhete de Identidade ou o passaporte (ou mesmo outro documento pessoal com fotografia). Os jovens de rua não possuem! Para quem não possuísse tais documentos, poderia fazer o registo recorrendo a testemunhas (como autoridade tradicional, religiosa ou mesmo cidadão já registado e com os documentos exigidos). Mas quem poderia servir de testemunha destes jovens? A Associação OMUNGA através do reconhecimento da sua idoneidade pelo Gabinete Municipal Eleitoral (GME), serviu de testemunha de dezenas e dezenas de jovens em situação de rua para que pudessem registarem-se, e obterem o seu cartão de eleitor.
No dia 05 de Setembro, data em que aconteceram as eleições legislativas, os mesmos jovens com capacidade eleitoral exerceram o seu direito de voto de forma consciente e livre.
Terminado o escrutínio, ouvimos alguns destes eleitores que manifestaram a sensação de terem participado deste percurso e fazerem parte da história.
Na entrevista cedida à Brigada de Jornalistas, Constantino Lundungue de 21 anos, exprimiu aquilo que viveu ao exercer o seu direito do voto dizendo “Votar é um orgulho porque nas eleições de 92 não tínhamos idade e é um dever termos de votar para escolher os dirigentes deste país. Isso irá representar em África e ao mundo que Angola é um país em que todos são solidários e que consegue fazer qualquer coisa.”
A alegria é notável nos rostos dos jovens por não terem sido excluídos deste processo. Animadoras também são as palavras da Julieta de Fátima (19 anos), do centro 16 de Junho, “Quando estava a votar me senti alegre e feliz. Foi pela primeira na minha vida eu a votar.”
António Banje Camati Catunda de 22 anos, não quis ficar de parte e associou-se também como membro de uma mesa de voto e exprimiu a sua sensação: “Houve dificuldades, mas gostei imenso de participar. O almoço chegou tarde, passámos lá um dia para o outro, não tivemos alojamento, mas correu tudo bem com todo o sacrifício que tivemos que desempenhar por ser angolano.”
Se o exercício da cidadania destes jovens passou pelo exercício de votar, também têm consciência que é preciso ter esperança e exigirem responsabilidades, assim diz o Constantino Lundungue: “em relação ao partido que votei e às promessas que fizeram, espero que o partido que votei venha a melhorar a sua promessa, venha mostrar a realidade ao povo para que o povo possa ter confiança nesse mesmo partido e para que amanhã sejamos umas pessoas mais felizes.”
Sendo um caso inédito em Angola, estes jovens sentem-se felizes por participarem de forma directa neste processo eleitoral. No entanto deixaram a sua mensagem para aqueles que não votaram. “Para as pessoas que não votaram, o voto é um dever e um direito. Para mim é uma obrigação porque me comprometi em votar. Para mim aqueles que não votaram é uma perda porque eles podem perder uma boa coisa no fim”, desabafou-nos o Constantino.
*José Patricínio é angolano e coordenador da Ong Associação Omunga, sede em Lobito, Benguela