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Luanda, aos 13 de Agosto de 2009.
Ao
Presidente da República
Sua Excelência José Eduardo dos Santos

RE: A Actividade Empresarial do Procurador-Geral da República

Na qualidade de cidadão nacional, atento aos actos de governação do país, recorro aos bons ofícios de Sua Excelência para manifestar a minha profunda preocupação com o silêncio institucional que encobre a recente denúncia pública sobre a participação do Procurador-Geral da República no capital social da Imexco.

Gostaria, antes de mais, explicar as razões que me levam a dirigir esta correspondência à Sua Excelência.

De acordo com a legislação em vigor, a Procuradoria-Geral da República “é uma unidade orgânica subordinada ao Presidente da República, como Chefe de Estado (…)”. A mesma lei determina que “o Procurador-Geral da República recebe do Chefe de Estado instruções directas e de cumprimento obrigatório”.

Como o mais alto magistrado da Nação, Sua Excelência tem reiteirado, ao longo dos anos, sem efeito prático, a necessidade de se combater a corrupção e o abuso de poder. Em 2008, Sua Excelência afirmou, de forma categórica, a urgência em separar “a actividade empresarial privada da activididade política e administrativa dos dirigentes e chefes que ocupam cargos no governo e na administração pública em geral.” Mais disse, “devemos aprovar regras mais claras para pôr cobro a certa promiscuidade que se verifica hoje.”

Queira, por isso, aceitar a minha petição como um acto de cidadania dirigido à competente entidade. Assim, reporto-me aos factos.

A 13 de Setembro de 2008, o Diário da República consagrou a alteração do pacto social da Imexco, por decisão dos seus sócios. Estes são os Srs. Salim Firojali Hassam e Faizal Samsudin Alybay Ussene (ambos de nacionalidade portuguesa), os generais António dos Santos Neto (actual presidente do Tribunal Supremo Militar) e João Maria Moreira de Sousa (actual Procurador-Geral da República). Essa decisão respeita o Artigo n° 13, dos estatutos da Imexco sobre a representação de todos os accionistas na Assembleia-Geral da empresa, cujas decisões são obrigatórias e vinculativas. Em resumo, ambos generais e magistrados representam-se a si próprios na Assembleia-Geral da Imexco, uma empresa ligada aos sectores imobiliário, de investimentos, importação e exportação.
Excelência,

A actividade empresarial do titular do cargo de Procurador-Geral da República, o General João Maria Moreira de Sousa, não se esgota na Imexco. A 1 de Dezembro de 2008, em sociedade com a Construtel – Construções e Telecomunicações e o Sr. João Raimundo Belchior, o referido general, enquanto magistrado, estabeleceu a empresa Construtel Serviços Limitada, cujo objecto social inclui a prestação de assessoria jurídica, consultoria e auditoria. Nessa empresa, de acordo com o Artigo 7° do seu pacto social, os sócios constituem a Assembleia-Geral dos seus órgãos sociais.

Na Deljomar Limitada, o General João Maria Moreira de Sousa, enquanto magistrado, faz parte da Assembleia-Geral, em obediência ao Artigo 9° dos seus estatutos. A Deljomar presta serviços de consultoria não especificados intervindo, também, na construção civil, comércio geral, exploração mineira, etc. Com quotas iguais a do Procurador-Geral da República, fazem parte da referida sociedade comercial os Srs. Delfim de Albuquerque e Mário Albuquerque.
Todavia, é na Prestcom – Prestação de Serviços e Comércio Geral Limitada, que o General João Maria Moreira de Sousa, enquanto magistrado, exerce a função de gerente, conforme o estatuído no Artigo 7° da referida sociedade comercial e legalmente reconhecida pelo Ministério da Justiça. Na Prestcom, uma empresa vocacionada ao comércio geral e à prestação de serviços não especificados, o actual Procurador-Geral da República partilha a sociedade com o compatriota Mário Alberto Paulino e o Sr. Moussa Thiam, de nacionalidade Maliana.
Em termos legais, as actividades empresariais do General João Maria Moreira de Sousa, enquanto magistrado, ferem, de forma grave, a lei fundamental do país.

O Artigo 141° da Lei Constitucional estabelece, como incompatível, “o exercício de funções públicas ou privadas, excepto as de docência ou de investigação científica e ainda as sindicais da respectiva magistratura”, por parte dos magistrados do Ministério Público. O n° 2 do Artigo 17° da Lei da Procuradoria-Geral da República especifica que o Procurador-Geral é o mais alto magistrado do Ministério Público.

Ademais, como pode, o Procurador-Geral da República estar directamente envolvido, no foro privado, na prestação de assessoria jurídica, consultoria e serviços não especificados?

Porquê Sua Excelência, o Sr. Presidente da República, não exerce autoridade para pôr termo aos abusos de poder e de confiança depositados em servidores públicos como o General João Maria Moreira de Sousa?

Ao nível da administração do Estado, o caso do Procurador-Geral da República deve ser visto no quadro de uma prática generalizada aos mais altos níveis do Governo, Forças Armadas Angolanas, Polícia Nacional, Assembleia Nacional e da Presidência da República.

Essa prática, conforme dados oficiais que tenho recolhido nos últimos três anos, para a análise académica da economia política de Angola, revelam a efectiva privatização do Estado para benefício exclusivo dos dirigentes, suas famílias, associados estrangeiros e apoiantes.

Todavia, a arrogância com que o Procurador-Geral da República desrespeita a Lei Constitucional e legislação afim ridiculariza, sobremaneira, a seriedade das instituições do Estado, sobretudo a justiça, pois este tem a função de exercer “o controlo da legalidade, de forma a que a lei seja respeitada pelos organismos de Estado e entidades económicas e sociais, em geral, utilizando o mecanismo de protesto, se necessário (…).”

Excelência,

Como Chefe de Estado, do Governo, presidente do MPLA (partido no poder) e Deputado à Assembleia Nacional, com mandato suspenso, assume as maiores responsabilidades política e moral, na prevenção e no combate contra a corrupção.

Assim, cabe a Sua Excelência, investido de poderes absolutos e como responsável directo pela conduta do Procurador-Geral da República, anunciar à sociedade medidas concretas que visam garantir o respeito pela lei, por parte dos titulares de cargos públicos e a devolução do poder do Estado à esfera pública.

A Procuradoria-Geral da República requer, para seu governo, uma personalidade com integridade moral e com elevado padrão de ética. Essa personalidade não deve ser vista, pela opinião pública, como sendo influenciado pela necessidade pessoal de aquisição de riqueza ou estar sob suspeita de a obter através de meios ilícitos. Só um procurador respeitador da lei poderá exercer a fiscalização da legalidade dos actos do governo e seus titulares.

A falta de medidas contra os indivíduos que abusam dos seus cargos, para enriquecimento pessoal, podem expor Sua Excelência como o principal responsável pelos males causados à sociedade angolana por abusos de poder, corrupção, má-gestão e saque do património do Estado.

Com sincero optimismo, acredito que Sua Excelência agirá com celeridade para assegurar o cumprimento da lei e honrar o seu compromisso de combate ao tipo de promiscuidade ora manifestado pelo Procurador-Geral da República.
Queira aceitar, Sua Excelência, os meus votos de cidadania.

Respeitosamente,

*Rafael Marques de Moraes é jornalista angolano, mestre em Política pela Universidade de Oxford com tese sobre Governo e Corrupção em Angola
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