Presidente de Moçambique não tem capital político para fazer grandes reformas dentro do partido Frelimo
De acordo com o professor auxiliar no departamento de Ciência Política e da Administração Pública da Universidade Eduardo Mondlane (UEM) em Maputo, “uma coisa é você sair de um processo que pela sua força interna seja um líder por natureza, carismático, que mobiliza e aglutina, outra coisa é você sair e ser feito líder por percurso dentro do aparelho do Estado, das redes do partido por dez ou vinte anos, aí você tem legitimidade suficiente para fazer uma ruptura profunda dentro do partido”.
Havia muita expectativa para o primeiro Comité Central (CC) do partido Frelimo dirigido por Filipe Nyusi, na qualidade de Presidente da formação política que governa o nosso país há mais de 40 anos. Porém a reunião do passado dia 5 de Fevereiro fica para a história por ter durado apenas um único dia e limitando-se a reestruturar o secretariado. “Ficamos na expectativa que iam haver grandes reformas, mas os indicadores que existiam não previam grandes reformas, e nem pode haver a tal grande reforma” porque, segundo o docente de Ciência Política, João Pereira, o Presidente de Moçambique não dispõe de capital político para fazer grandes reformas dentro do seu partido.
“Se eu estivesse na posição do Presidente Nyusi se calhar também faria a mesma coisa”, afirma João Pereira em entrevista ao @Verdade e explica “em vez de fazer um ruptura completa, ele deve ter feito uma análise profunda do que se estava a passar lá dentro, e ele quer ir mais numa linha de pôr praticamente todos no mesmo sítio, fazendo aí jogos, porque senão com a ruptura que já existe dentro da sociedade, com as feridas que este país tem em termos sociais e económicos, com os índices de pobreza tão grande, com a questão do partido Renamo, se ele faz mais uma ruptura dentro da própria Frelimo eu acho que será o fim do próprio o Presidente Nyusi”.
De acordo com o professor auxiliar no departamento de Ciência Política e da Administração Pública da Universidade Eduardo Mondlane (UEM) em Maputo, “uma coisa é você sair de um processo que pela sua força interna seja um líder por natureza, carismático, que mobiliza e aglutina, outra coisa é você sair e ser feito líder por percurso dentro do aparelho do Estado, das redes do partido por dez ou vinte anos, aí você tem legitimidade suficiente para fazer uma ruptura profunda dentro do partido”.
“O Presidente Nyusi não sai desses perfis de liderança” afirma o politólogo que constata que o Chefe de Estado moçambicano não tem a escola da estrutura partidária nem sequer cresceu dentro do aparelho do Estado por força própria, “ele (Nyusi) conhece mal o funcionamento do Estado”.
“Este percurso de liderança que vem de dentro do partido, dentro da estrutura político partidária, depois passa para o Estado dá bagagem suficiente a pessoa, principalmente num partido como a Frelimo e num Estado como Moçambique, onde não há uma separação clara entre partido e Estado, dá a possibilidade de a pessoa de criar o capital político que o Presidente Nyusi não dispõe para fazer grandes reformas dentro do partido” esclarece João Pereira que também é Director da Unidade de Gestão do Mecanismo de Apoio à Sociedade Civil (MASC).
Por isso, segundo o docente de Ciência Política, Filipe Jacinto Nyusi “tem que fazer a gestão dos “embaixadores”, dos antigos combatentes, daqueles que têm que lhe dar a legitimidade necessária pra lhe proteger em caso de alguma eventualidade. Não é por acaso que se vê, pela análise comportamental, do próprio Chipande, quando está sentado ao lado do Presidente, é ele que aparece lá. Isso mostra claramente esse processo todo”.
Efectivamente, durante a II sessão extraordinária do CC do partido Frelimo, Alberto Chipande esteve sentado no pódio à esquerda do presidente do partido, Filipe Nyusi, que teve à sua direita Eliseu Machava, o secretário-geral que herdou de Guebuza. No pódio, os três estiveram ligeiramente destacados dos restantes membros da Comissão Política.
Nyusi poderá perder-se na conflitualidade dos jogos de interesses
O nosso entrevistado refere ainda outro aspecto importante, “enquanto o Presidente Guebuza e Chissano tinham uma legitimidade histórica, estiveram na fundação da Frelimo, e tinham desenvolvido uma carreira política muito forte dentro do próprio partido e dentro do Estado, tinham feito aquele percurso todo, tinham legitimidade de chegar lá dentro e dizer que esta é que é a minha linha de pensamento”.
João Pereira argumenta que é devido a essa legitimidade que ninguém questionava o antigo Chefe de Estado moçambicano, e também antigo presidente do partido Frelimo, Armando Guebuza, “ele tinha a legitimidade e o capital político necessário para dizer que é esta linha e, a partir desta linha, vocês vêm ou não vêm. E aqueles que decidiram que não iam naquela linha saíram e ele continuou na linha dele”.
Os novos secretários eleitos pelo Comité Central realizado na cidade da Matola são Esperança Bias (secretária para Administração e Finanças), Agostinho Trinta (secretário para a Organização e Formação de quadros), Helena Muando (secretária para a coordenação das Organizações Sociais), Chaquila Abubacar (secretário para a área económica) e António Niquice (secretário para a Mobilização e Propaganda).
Para o professor de Ciência Política e da Administração Pública da UEM, “(...)por mais que mudem as coisas onde estão as alternativas dentro do próprio partido Frelimo, quem são as elites políticas da Frelimo que podem ser alternativa a si próprio, tem que ser no meio daqueles”.
Após a eleição dos novos secretários Filipe Nyusi, o presidente do partido, reafirmou a necessidade de união, “são muitos os desafios que vos esperam como secretariado e um dos segredos para enfrentá-los com sucesso, é a coesão interna. Tal como o fizemos ontem, temos que continuar a apostar na coesão para fazer face aos desafios da actualidade”.
De acordo com João Pereira este discurso vazio e de apelo à união é uma forma do Presidente de Moçambique tentar agradar à todas as alas que são influentes dentro do seu partido. “Eu acho que ele (Nyusi) vai chegar a conclusão de que não é um bom dançarino para estes jogos de acomodação de vários interesses, e poderá perder-se nesse tipo de conflitualidade. Mas também tem de fazer esse tipo de jogos a nível das redes clientelistas que foram desenvolvidas com o Estado, eu não sei se ele consegue dormir”, conclui o politólogo.