A propósito das eleições em Guiné Bissau
Serve o presente trabalho para, entre algumas abordagens e considerações, destacar e analisar dois recentes posicionamentos, deveras importantes, no actual cenário político guineense, que podemos considerar desde já, por um lado, de finalização de um processo e de um período de transição, atípicos a um processo de normalidade e legitimidade constitucional
Serve o presente trabalho para, entre algumas abordagens e considerações, destacar e analisar dois recentes posicionamentos, deveras importantes, no actual cenário político guineense, que podemos considerar desde já, por um lado, de finalização de um processo e de um período de transição, atípicos a um processo de normalidade e legitimidade constitucional; e por outro, de um processo de viragem (da tarefa/responsabilidade principal do processo de transição política no pós-golpe de Estado de 12 de Abril de 2012) assente na organização e realização de um processo eleitoral, que se pretende credível e inclusivo.
Ainda que essa tarefa/responsabilidade seja das autoridades de transição, um facto importantíssimo a destacar é que o acto, por ter um suporte baseado num consenso circunstancial através de um Pacto de Transição Política, não deixa porém, de ter uma legitimação política e jurídica, quer através da Assembleia Nacional Popular, quer do Supremo Tribunal de Justiça (Tribunais) e, como tal, não inviabiliza nem invalida a legitimação das autoridades a serem eleitas pelo voto popular nas eleições agendadas para 16 de Março próximo, o que vem, uma vez mais, confirmar a "legitimidade" circunstancial destas mesmas autoridades, que uns e outros, dentro e fora do país, insistem em não reconhecer, mas a quem exigem o cumprimento escrupuloso do calendário eleitoral e a credibilidade de todo o processo, e aqui, talvez fosse interessante saber a quem são dirigidas essas exigências, já que, se calhar, a Guiné-Bissau deixou de ter autoridades desde 12.04.2012?!
Aproveito a oportunidade para endereçar os meus parabéns ao meu estimado amigo e irmão (mesmo que o termo irmão seja num prisma da relação de fraternidade que deve nortear todos os seres humanos filhos de um Deus comum) Dr. José Ramos-Horta, Representante Especial do Secretário-Geral da ONU para a Guiné-Bissau, pela humildade que o caracteriza, por ter tido (consideração pelas minhas preocupações e argumentos devidamente sustentados) interesse e coragem para reflectir seriamente sobre essas minhas preocupações "A PROPÓSITO DE ELEIÇÕES (2)" e a sua consequente mudança de posição, relativamente ao seu primeiro posicionamento no qual sustentava que, das eleições Presidenciais e Legislativas na Guiné-Bissau, não deveria haver vencedores nem vencidos e que, deveria ser constituído um Governo com a participação de todos, o que, a meu ver, contraria os pressupostos constitucionais, ou a almejada retoma da normalidade constitucional, tal como a entendemos, sustentada pela legitimidade de uma Constituição da República na qual estão inseridas as Leis Fundamentais do Estado e do Direito e não, através de um consenso circunstancial assente num Pacto de Transição Política, em momento algum, substituto de uma Constituição da República que não chegou sequer, a ser suspensa com o golpe de Estado de 12.04.2012!
Na recente entrevista concedida ao "Expresso de Bissau" o Dr. Ramos-Horta assume a pertinência, o realismo e a justeza das preocupações fundamentadas no texto "A PROPÓSITO DE ELEIÇÕES (2)" quando diz que " (...) Daí que lance um apelo para que as elites políticas e todos os quadrantes entendam que, após as eleições em 2014, o partido mais votado terá que ter sentido de Estado e convidar os outros parceiros políticos para se sentarem à volta de uma mesa e conversarem serenamente sobre uma parceria estratégica entre todos, para resgatar o país." sendo que, considerar "partido mais votado" é considerar/admitir um vencedor e, "convidar os outros parceiros", não é necessariamente o mesmo que dizer que todos têm que fazer parte do Governo que vier a ser formado, independentemente de conquistarem ou não assentos na Assembleia Nacional Popular, por exemplo!
Estamos perante um novo posicionamento, sustentado por um realismo assente nos preceitos da legitimidade constitucional e não em moralismos de vária ordem, suportados por consensos circunstanciais, como era o primeiro posicionamento!
Obrigado Dr. Ramos-Horta, pois com este seu novo posicionamento, contribuirá para que os partidos políticos, em geral, e o cidadão eleitor, em particular, saibam que, nas eleições, há sempre vencedores e vencidos, em função da escolha e do voto, do eleitor. Estamos a falar de democracia e não de autocracia!
Que cada partido faça o seu "trabalho de casa", assuma o seu objectivo e avance com os seus propósitos, por respeito ao cidadão eleitor, à Constituição e à República!
O segundo posicionamento que realça o texto "A PROPÓSITO DE ELEIÇÕES (2)" vem de um grupo de 23 partidos políticos da Guiné-Bissau (aos quais também endereço as minhas felicitações) que decidiram criar uma coligação pré-eleitoral, tendo em vista uma união e concertação de esforços e interesses, através do designado Fórum Guiné-Bissau com o objectivo de ganharem as eleições ou de conseguirem resultados que lhes permita ter voz e influência na Assembleia Nacional Popular e na governação do país.
É um feito inédito na Guiné-Bissau, um país com mais de três dezenas de partidos políticos!
A motivação que levou esses partidos a decidirem por uma coligação eleitoral, certamente não foge às sugestões apresentadas no texto "A PROPÓSITO DE ELEIÇÕES (2)" , a bem da democracia e do respeito pelo voto popular; a bem de um Estado de Direito e em defesa da Constituição da República!
Não perspectivamos o desfecho eleitoral, ou seja, os resultados da votação, contudo, apraz-nos destacar este gesto responsável, que vai de encontro à tese de que a União faz a Força. Consequentemente, é um sinal inequívoco de que afinal, a teoria política e a democracia estão a evoluir na Guiné-Bissau. É este o caminho para se chegar ao poder legalmente e não pela via palaciana/militarista dos golpes de Estado.
Ainda bem, mesmo que se trate de simples coincidência, que de posicionamento em posicionamento, se esteja a chegar aos pressupostos legais para uma normalidade constitucional efectiva na Guiné-Bissau!
E assim, vamos fazendo a parte que nos cabe...!
Como escrevi em tempos: Para ajudarmos os políticos, temos que lhes dizer a verdade, mesmo que seja a nossa verdade, mas é sempre uma alternativa para que não pensem que, para além deles, mais ninguém pensa.
*Fernando Casimiro é fundador do site Didinho.org onde este texto foi publicado primeiro
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