Deixem o Haiti ser Haiti

Neste texto, como em carta aberta ao povo haitiano, Jacques Depelchin, desnuda certeiramente o cinismo da mídia mundial em não apontar as históricas causas do sofrimento do povo do Haiti, como se a recente tragédia natural fossse em maior mesura que as consequências sofridas pelos cidadãos deste país por terem se libertado séculos atrás do jugo colonial e por esse poioneirismo pagam o preço até hoje. Rezemos pelo Haiti, e lembremos das verdadeiras raízes deste povo fiel à humanidade na vanguarda dos movimentos de libertação africana.

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Para todos aqueles que perderam seus amados, por favor, aceitem nossas mais sinceras condolências. Nossas mais profundas simpatias para com toda a população do Haiti, em particular com aqueles que, anteriormente ao terremoto já estavam sofrendo muito, simplesmente porque estavam a continuar a luta que iniciou-se mais de dois séculos atrás. Para aqueles que partiram, desejamo-los paz eterna e uma recepção calorosa pelo Criador e nossos ancestrais.

Nós gostaríamos de expressar nossa solidariedade com o Haiti, um país onde, de 1791 a 1804, africanos libertaram-se em nome da fidelidade à Humanidade. Africanos, que à frente de seu tempo, deram uma lição àqueles que normalmente tomam para si este papel, se auto- proclamendo revolucionários de uma revolução, como somos informados, preparada por “filósofos” do Iluminismo. Mas, tal como Louis Sala-Molins amplamente demonstrou no livro O Código Negro, nenhum único filósofo em nenhuma vez sequer disse algo sobre o Código Negro, lançado em 1685 e findo em 1848.

As destruições causadas pela natureza são pequenas se comparadas com aquelas criadas, infligidas, calculadas , destiladas pelos pais de um sistema que tornou-se hoje tão predatório que seus descendentes biológicos e ideológicos (dos escravizadores), como se num piloto automático, não podem fazer melhor do que reagir através de gestos de caridade orquestrados por uma consciência deformada e dominada pelo modelo afiado por uma constante busca por modos de estuprar a humanidade, enquanto dão uma impressão de amá-la.

Nos próximos dias, o sofrimento das consequências da destruição causada pela natureza irá enterrar ainda mais aquelas outras causadas pelos predadores e seus admiradores. Mas a fidelidade com a verdade de que “todo mundo é um mundo” sempre será mais forte do que o esquecimento. Este tipo de fidelidade não se sacia sua sede com lágrimas de crocodilo derramadas pelos correspondentes de mídia que apresentam tabelas estatísticas acumuladas por organizações humanitárias cuja tarefa é cobrir as consequências dos crimes contra a humanidade ao enfatizar na desgraça de ser “o país mais pobre do planeta”. Esta fidelidade tem resistido, está resistindo e irá resistir contra as mais brutais e suaves formas de tortura, imaginada por aqueles que, em nome da liberdade do capital, estão programando vagarosamente o extermínio da humanidade.
Os mesmos correspondentes de mídia, com lágrimas nos olhos, apontam para a instabilidade política no Haiti, enquanto se recusam a ir dentro das raízes das causas, diretas ou indiretas, como se eles tivessem que cavar muito para buscá-las. Eles teriam que reconhecer que no Haiti, apesar de todos os reveses, fidelidade aos valores de liberdade, igualdade, fraternidade continuam vibrantes como sempre.

Em face de tamanha e imensurável tragédia, o Haiti pode ser curado e tornar-se inteiro de novo. Ao presidente Jean Bertrand Aristide deve ser permitido retornar para os seus compatriotas. Pois é em face de tal tragédia que deve ser clamada a solidariedade, acima de quaisquer clivagens políticas ou ideológicas. O Haiti já sofreu mais que deveria. Ele merece ser inteiro de novo, ele merece os mais generosos gestos de solidariedade como uma Nação. Deixem todos os seus membros voltarem para reconstruirem suas vidas.

Até quando deixar o Haiti sangrar?

É difícil, nos próximos dias e semanas, não perguntar a essas organizações (que se vestem em roupas humanitárias para evitar uma fidelidade com o humano), de nos deixar saber sobre o destino de Pierre-Antoine Lovisnsky, que foi sequestrado por demandar com persistência pela volta do presidente Jean Bertrand Aristide.

* Jacques Depelchin é co-fundador da Otabenga Alliance for Peace, Healing and Dignity na República Democrática do Congo, e no momento, professor de História da África na Bahia – Savador, Brasil.

**Traduzido por Alyxandra Gomes Nunes.

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