A expansão da democracia como regime político mar cou o século XX. A palavra “democracia”, de origem grega, significa, pela etimologia, demos - povo e kra tein - governar. Foi o historiador Heródoto quem utilizou o termo “democracia” pela primeira vez, no século V, antes de Cristo. Bem mais tarde, nos sécu los XV e XVI, a democracia reaparece gradativamente nas cidades do Norte da Itália, no período renascentista. É assim que, lenta e gradativamente, a democracia vai consolidando-se nas sociedades avançadas da modernidade. Impulsionado pelas revoluções liberais, como a Revolução Gloriosa na Inglaterra (1688/89), a Revolução Americana (1776) e a Revolução Francesa (1789), o homem mo derno passa a ver garantidos, nas suas respectivas constituições, a defesa dos direitos individuais (vida, liberdade e propriedade). Os eleitores são considerados, no mundo moderno, o principal suporte da democracia, especialmente na valorização da acção política e das instituições representativas.
Um dos campos de análise mais desenvolvidos na ciência política contemporânea é a análise do comportamento eleitoral. Neste arti go de análise, faço uma incursão sobre o comportamento eleitoral com enfoque na abstenção eleitoral em Moçambique. Abstenção, do latim abstinere, abster, suprimir, privar-se de, evitar. A expressão começa por ser apenas usada no direito privado, como renúncia ou não ao exercício de um direito ou obrigação, nomeadamente, a uma herança. Passa depois para a linguagem política, querendo significar a renúncia ao exercício de direitos políticos, nomeada mente, o facto de um eleitor não ir às urnas. Em política, abstenção eleitoral é o acto de se negar ou se eximir de fazer opções políticas. Abster-se do processo político é visto como uma forma passiva, não como exclusão social. Fazendo fé aos dados sobre a abstenção elei toral em Moçambique, tenho a referir que houve registo de 12% de abstenção nas primeiras eleições multipartidárias realizadas em 1994; no ano de 1999, houve crescimento substancial de abstenção eleitoral que subiu para 32% e, no ano de 2004, atingiu 64%. Com base nos dados formulados, em relação ao absentismo eleitoral em Moçambique, pode verificar-se que, embora a existência de realiza ção de eleições regulares que possibilitam uma participação políti ca dos eleitores, isso não implica obrigatoriamente em maior acei tação e/ou comprometimento por parte da sociedade. A questão tem sido objecto de diversas análises do comportamento eleitoral, e diferentes autores têm proposto alternativas teóricas – metodoló gicas para explicar a forma como os cidadãos se comportam perante os fenómenos do “mundo político” e, mais especificamente, como decidem o seu voto.
Com a presente análise, pretendo decifrar de maneira superficial o comportamento eleitoral com enfoque no absentismo eleitoral, pois não pretendo ser exaustivo, mas sim procurar um paralelismo teórico, usando para tal o actual marco analítico sobre o comporta mento eleitoral em Moçambique, que tem vivido um processo de cri se de legitimidade expresso na abstenção eleitoral, na apatia, na não participação político-social embora ocorram altos índices de filiação partidária. E para fundamentar a análise, pretendo ter como base de suporte, a “Teoria económica da participação política”, que coloca a sua mensagem de forma muito simples: se tiveres um “incentivo eco nómico compensatório” participamos, caso contrário, é melhor nos ocuparmos com outras coisas. Explicar a participação em um acto eleitoral consiste, pois, em descobrir quais as fontes que geram o má ximo de incentivos compensatórios. Tais fontes dirigem casualmente os indivíduos para a participação. Descobertas estas fontes casuais, encontraremos as razões da taxa de absentismo eleitoral e das prefe rências dos eleitores, observada ao final de cada eleição.
Sendo assim, assumindo que eleitores são considerados, no mundo moderno, o principal suporte da democracia, especialmente na valo rização da acção política e das instituições representativas, e se quem decide participar ou não é o eleitor e a razão da sua decisão está no incentivo, então, no limite, vemos que os incentivos económicos com pensatórios variam de eleitor para eleitor, no tempo e no espaço. Pelo que, o eleitor, juiz controlador da qualidade da acção governamental, encontra uma base racional para a sua decisão política: A manuten ção ou alteração do seu estado de bem-estar social. A capacidade de cisória do eleitor não é colocada em função de sua acção, mas em sua satisfação. O conjunto de preferências constitui o ordenamento sub jectivo das acções alternativas de um conjunto de acções realizáveis, segundo uma ordem de preferência que usualmente decorre do valor económico compensatório, atribuído aos valores associados a cada alternativa. Tratando-se de eleição, o resultado é sempre a eleição de um candidato, se a regra for maioritária (eleição presidencial), ou vários, se for proporcional (eleições legislativas). O eleitor racional atribui a cada candidato um valor que expressa o grau de desejo das consequências da sua vitória na eleição, que pode ser traduzido pelo conceito de utilidade. A utilidade, que normalmente se refere a “in centivos económicos compensatórios”, representa os ganhos individuais ou sociais, que, acredita o eleitor, advirão da eleição do candidato. Então, a cada acção “votar em”, o eleitor associa uma utilidade. Essa utilidade, associada a acção “votar em”, é a fonte de motivação do eleitor, razão necessária, mas não suficiente, para a escolha, ou seja, a decisão final.
Os estudos sobre a abstenção eleitoral que utilizam dados a nível in dividual têm relacionado o comportamento “abstencionista” com três ordens de factores: primeiro - “indivíduos que dispõem de maiores re cursos são vistos como tendo também maior capacidade e propensão para exercer o direito de voto. Votar tem custos, geralmente associa dos à compreensão de conceitos e mensagens políticas, à obtenção de informação e ao tempo disponível para utilizar nas actividades que vão para além da satisfação de necessidades básicas. Assim, me nores níveis de rendimento e me nores competências linguísticas, técnicas, organizacionais e co municacionais têm sido associa dos a uma menor capacidade de investimento na participação po lítica, em geral, e na participação eleitoral, em particular”; segundo, diz respeito ao grau de integração social: “maior integração social tende a gerar maiores níveis de parti cipação eleitoral. Integração social significa, a este nível, intensidade de contactos interpessoais que fornecem informação sobre temas e candidatos, exposição a normas sociais e estímulos favoráveis à par ticipação e envolvimento com a comunidade afectada pela tomada de decisões políticas”; Em terceiro lugar, a participação eleitoral tem sido relacionada com as atitudes e valores políticos dos indivíduos. Mesmo que os eleitores disponham de elevados recursos económi cos ou educacionais, os seus valores e atitudes podem predispô-los a aplicar esses recursos noutras actividades que não a participação eleitoral (e o inverso, obviamente, também é possível). A mais impor tante das orientações analisadas pela abordagem sócio-psicológica é a “identificação partidária”: o facto de os indivíduos se identificarem com um determinado partido político contribui não só para os orien tar face à complexidade das mensagens e estímulos políticos, mas também para os deixar mais susceptíveis aos esforços de mobilização por parte dos partidos.
Dando fé à teoria de que a “capacidade decisória do eleitor não é colocada em função de sua acção, mas em sua satisfação”, como os eleitores em Moçambique avaliam o desempenho do governo ao votar? (a) Ao votar, o eleitor toma em conta o desempenho passado (avaliação retrospectiva)ou a expectativa do desempenho futuro de acordo com a proposta do manifesto eleitoral (avaliação pros pectiva)? (b) Os eleitores avaliam políticas (meios) ou resultados de acção política? (c) Quais variáveis são relevantes na avaliação que o leitor faz do desempenho governamental? De acordo com João Pereira, em Antes o diabo conhecido do que o Anjo desconhecido: as limitações do voto económico na reeleição do partido Frelimo, “no caso de Moçambique, a literatura sobre o voto económico não parece, pois, fornecer uma explicação satisfatória para a repetida reeleição do partido da Frelimo. Em certos casos, o modelo revela-se incapaz de justificar adequadamente os resultados eleitorais, já que só de for ma limitada incorpora na sua análise factores que medeiam entre as políticas económicas e as escolhas partidárias dos eleitores”, funda mentada pela apresentação de uma perspectiva de conjuntos sobre os resultados eleitorais da Frelimo e as circunstâncias económicas que se verificavam na época dessas vitórias eleitorais, concluindo com a conjugação de diversos factores ao qual substancia e refuta claramente o modelo do voto económico, já que este não consegue fornecer uma explicação satisfatória para a repetida reeleição da Frelimo e dos seus presidentes.
Se a “teoria económica da participação política” ou o “modelo do voto económico” não tem paralelismo e muito menos efeito no comportamento eleitoral em Moçambique, como se explica esta de monstrada aversão à participação com o decorrer dos anos, visuali zada pelo absentismo eleitoral? Pode ser traduzida na lição de que, os eleitores não se reconhecem mais nos mecanismos de participa ção. Mas temos que reconhecer que o descrédito, a decepção, a falta de esperança não é maneira de estar natural do ser humano. Não há atitude neutra. Sendo assim, fica por decifrar por que se abstêm os eleitores em Moçambique, se o constrangimento ao eleitor é mínimo comparando aos benefícios que oferece ao processo político eleitoral?
* Adelson Rafael é analista do jornal O país, on line. Artigo publicado originalmente em
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