O fardo das mulheres que carregam água em Moçambique
A menos de cem quilômetros da segunda maior represa da África, várias mulheres caminham com seus bebês presos às costas e levando baldes de água sobre suas cabeças.
Avançam lentamente, cansadas, e enquanto cai a noite desaparecem na escuridão que tinge as vermelhas areias do deserto. “Faço este caminho desde que me casei e vim viver aqui, há 10 anos. Às vezes tenho de enfrentar fila durante horas para conseguir água. A cada dois dias saio de casa às quatro da manhã e só volto a descansar quando o sol já se pôs”, conta Benedita Cadeado, de 32 anos e mãe de três filhos.
Benedita caminha cerca de 20 quilômetros desde sua pequena aldeia nas proximidades de Songo para chegar ao lugar mais perto com uma torneira pública. E depois regressa também caminhando. “Sempre transporte água com três recipientes de 20 litros, suficientes para abastecer minha família por dois dias. Isso me obriga a descer e subir a montanha três vezes ao dia. Já estou acostumada. Nos movimentamos em grupos, para a que a distância da estrada até minha aldeia pareça mais curta”, acrescentou.
Ao longo dessa mesma estrada, em meio à floresta que envolve as montanhas de Moçambique atravessadas pelo rio Zambezi, se estende a majestosa Cahora Bassa. É a segunda maior central hidrelétrica da África. A represa situada no distrito de mesmo nome, na província de Tete, tem seus escritórios centrais na aldeia de Songo. Ali há casas com piscinas e jardins bem irrigados. Os restaurantes e os postos de combustíveis se localizam ao longo de estradas asfaltadas, construídas especialmente para dar conforte aos residentes que trabalham na represa.
A eletricidade de Cahora Basse não atende toda a bacia onde fica a aldeia de Songo, e nem mesmo todo o distrito. “Nos disseram que produzia energia. Pensei que essa casa grande (a represa) só podia guardar água. No ano passado nos disseram que Cahora Bassa já não pertencia aos portugueses e que agora era nossa. E que por isso, finalmente, teríamos eletricidade em casa. Ainda estou esperando”, contou Benedita. Em novembro de 2007, Moçambique assumiu o controle total da represa das mãos de Portugal, após décadas de negociação. Desde a independência do país africano em 1075, os portugueses retinham 82% do controle da usina.
Entretanto, os moradores de Songo ainda não têm eletricidade. Dependem de painéis solares, velas ou lamparinas a óleo. Ao mesmo tempo, veem como a vizinha África do Sul compra o que deveria ser sua eletricidade. Essa energia é transferida ao longo de mais de mil quilômetros, enquanto a menos de cem quilômetros da central a população não tem luz. A água da represa cobre apenas uma área muito pequena à sua volta. A maior parte da população de Songo usa o rio como fonte de água para beber e lavar.
Na aldeia, como na maioria dos distritos em volta do rio Zambezi, a população depende da pesca e da agricultura. Esses dois meios de sobrevivência são afetados quando o rio transborda, o que ocorre anualmente. Saindo de Songo, cerca de 60 quilômetros corrente abaixo, a aldeia de Changara assistirá em 2011 a construção de outra importante hidrelétrica, a de Mphanda Nkuwa. Prevê-se que essa represa será uma solução para atual escassez de energia em parte da região da África austral.
“Ainda sofremos muitos apagões. Uma represa como a de Mpanda Nkuwa em Moçambique ajudará a melhorar a distribuição de eletricidade na região”, disse Phera Ramoeli, da Secretaria de Água da Comunidade de Desenvolvimento da África austral (SADC), cujo mandato é garantir uma distribuição justa dos recursos hídricos em toda a região. A nova usina produzirá 1.350 megawatts. Moçambique consome cerca de 900 MW, suficientes para levar luz a 400 mil famílias. A represa de Cahora Bassa, também no rio Zambezi, já gera mais de dois mil MW, principalmente fornecidos pela firma Eskom na África do Sul.
Ramoeli disse que Mphanda Nkuwa ajudará a prevenir inundações e promoverá o desenvolvimento em áreas vizinhas ao rio. “Pode-se ver quanto água flui nas cataratas de Victoria. Precisamos encontrar maneiras de usar essa água em beneficio da população local. Se for bem administrada, pode impulsionar o desenvolvimento das pessoas que vivem na área do Zambezi”, explicou Ramoeli. Mas, ambientalistas moçambicanos são contra a construção da hidrelétrica, dizendo que isto somente vai piorar as condições de vida da população de Changara e outras aldeias do outro lado do Zambezi.
“A construção da represa de Mpanda Nkuwa obrigará o reassentamento de mais de 1.400 pequenos agricultores aos quais foi informado muito pouco sobre sua situação futura”, disse a organização Justiça Ambiental. Os ativistas afirmam que este país já tem represas suficientes que, se forem bem manejadas, podem representar ganhos consideráveis à população até agora marginalizada dos benefícios da usina de Cahora Bassa. “A construção causará variações no nível do rio Zambezi, já afetado pela represa de Cahora Bassa, prejudicando a atividade pesqueira, o tráfico fluvial e a agricultura na bacia, deixando a população mais vulnerável a desastres como secas, inundações e fome’, alertou Justiça Ambiental.
A organização também propôs que a comunidade seja informada sobre os riscos da construção de uma hidrelétrica em área de terremotos. A represa de Mphanda Nkuwa será erguida no centro do país, perto do distrito de Machaze, na província de Manica. Este lugar foi o epicentro de um terremoto de 7,5 graus na escala Richter em 2006. mas, “não se pode fazer nenhuma obra sem impactos negativos”, afirmou Ramoeli.
Na SADC “estamos realizando projetos com nossos engenheiros para minimizar os impactos negativos no meio ambiente local. Estes planos consideram todos os grupos da política, da ciência, da sociedade. Temos de considerar todos os aspectos que envolvem o meio ambiente e o desenvolvimento”, acrescentou. IPS/Envolverde
*Zenaida Machado é comentarista da IPS,
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