Moçambique: Políticas do Governo e Banco Central não controlam inflação nem a depreciação do metical
As medidas do Governo de Filipe Nyusi, assim como do Banco de Moçambique, para repor a estabilidade do metical não estão a surtir efeito: o dólar norte-americano ultrapassou os 77 meticais nesta terça-feira (08) e o rand foi vendido acima dos 5,2 meticais no mercado paralelo de divisas. É uma depreciação de quase 100% comparativamente a Agosto de 2015 quando a moeda norte-americana estava cotada a 40 meticais e a divisa da África do Sul custava 3 meticais.
Nos bancos comerciais é cada vez mais difícil comprar divisas havendo mesmo uma instituição bancária que desde a semana passada impôs limites mensais para os seus clientes, particulares e empresas: 500 dólares, 1000 rands e 500 euros. O rendimento per capita dos moçambicanos que era de pouco mais de 2 dólares no ano passado caiu para menos de 1 dólar em 2016.
A maioria dos moçambicanos não aufere os seus salários em dólares ou randes porém o câmbio dessas divisas para meticais dita o aumento, ou redução, dos preços dos produtos e serviços que em grande medida são importados pois o nosso País não os produz.
Que o custo de vida é insustentável para os cidadãos honestos não é novidade, assim é há vários anos. Porém desde que foram descobertas as dívidas secretamente contraídas por empresas estatais, com Garantias ilegais do Governo de Armado Guebuza, o custo de vida tende a agravar quase todas as semanas.
Os moçambicanos que tinham um rendimento per capita de pouco mais de 2 dólares por dia(o rendimento per capita em 2015 foi de 23.641 meticais) têm agora para menos de 1 dólar para gastar diariamente(o Executivo de Nyusi prevê que o rendimento per capita aumente para 25.989 meticais em 2016). Todavia o que era possível adquirir com 64 meticais há um ano não é possível comprar com 71 meticais hoje.
Até finais de Junho o preços dos alimentos haviam disparado 34,1 por cento, os custos com a Saúde pessoal agravaram-se quase 10 por cento assim como com a Educação. De acordo com o Índice de Preços ao Consumidor do Instituto Nacional de Estatística os custos para estudar no ensino primário do 2º grau, secundário e técnico aumentaram mais de 20 por cento nos últimos 12 meses.
Em entrevista ao @Verdade, em Junho, a economista Oksana Mandlate explicou o aumento das taxas de juro pelo Banco de Moçambique “é baseada na assumpção de que a inflação está ligada ao excesso da procura na economia, e visa abrandar o consumo e o investimento doméstico. Mas no caso de Moçambique, que tem a sua economia dependente das importações, uma boa parte da inflação nos bens de consumo é importada, em parte devido a desvalorização da taxa de câmbio”.
“Os empréstimos públicos internos mais caros serão pagos por contribuintes, as empresas e as famílias”
Após o Banco Central agravar ainda mais as taxas de juros de referência, em Julho, a economista que é assistente de investigação no Grupo de Investigação sobre Economia e Desenvolvimento do Instituto de Estudos Sociais e Económicos(IESE), disse ao @Verdade que “a opção de política escolhida pelo Banco de Moçambique, o continuo aumento da taxas de juros de referência, gera um ciclo vicioso na economia. Esta medida, assim como a contenção da despesa pública, visa conter a inflação por meio de desaceleração da economia. A medida mostra ser pouco eficaz e tem altos custos para a economia, porque não trata as causas reais da inflação, a dependência estrutural da economia de importação dos bens de consumo básico e dos influxos de recursos externos. No entanto, está medida induz efeito redistributivo na economia, com efeito negativo sobre a estrutura produtiva da economia”.
“Primeiramente, por via do próprio Estado, dado que os seus empréstimos internos ficam mais caros. Em 2013-2014 perto de 50 por cento da despesa do Governo com taxas de juro era direccionada aos bancos domésticos e perto de 20 por cento dos recursos dos bancos eram aplicados em dívida pública. Os empréstimos “secretos” mudaram este quadro, mas também limitaram as oportunidades de buscar recursos no mercado financeiro externo do Governo. Os empréstimos públicos internos mais caros serão pagos por contribuintes, as empresas e as famílias, ao mesmo tempo que a redução da despesa pública implica que menos oportunidades de emprego e negócios serão criadas na economia tanto para as famílias como para as empresas”, esclareceu a economista moçambicana.
“Aumento das taxas de juro é incoerente tanto com o objectivo de controlo de inflação como com o objectivo de aumento da produção nacional”
“Segundo, por via de orçamento das famílias endividadas da classe média (que constituem perto de 20 por cento da carteira de empréstimos dos bancos), para quais o aumento da taxa de juro implica que uma maior parcela do seu rendimento alocada aos encargos financeiros e retraída do consumo e da procura doméstica”.
Além disso, segundo a economista, no caso do sector produtivo, “ainda que a recente depreciação do metical desincentiva as importações de bens de consumo e gera certas oportunidades para produção interna, as altas taxas de juro encarecem o investimento e limitam as oportunidades da organização de produção por empresas nacionais. Olhando a estrutura de alocação dos recursos dos bancos, já partimos de uma situação onde somente perto de 20 por cento dos recursos do sector financeiro é direccionado aos sectores produtivos, como a industria e agricultura. Ao mesmo tempo, o aumento das taxas de juro não afecta os investidores estrangeiros, que normalmente tem acesso ao financiamento externo” acrescentou Oksana Mandlate que concluiu que “dentro deste quadro, o aumento das taxas de juro é incoerente tanto com o objectivo de controlo de inflação como com o objectivo de aumento da produção nacional”.
Para a investigadora do IESE, “A saída deste ciclo passa pela ruptura com o padrão de desenvolvimento dependente das dinâmicas do capital externo, prevalecente nas últimas duas décadas. É necessário fomentar as fontes de crescimento interno, em vez de ligar as esperanças de recuperação deste modelo insustentável com a entrada de novos grandes projectos de investimento estrangeiro. E o actual modelo de financiamento, conjugado com os longos prazos de recuperação de investimento e maior risco, inviabiliza a entrada das empresas nacionais em projectos produtivos. No entanto, a escolha de política pública não é uma decisão meramente técnica, mas é movida por pressões e interesses dominantes na economia”.
Na semana finda o Standard Bank Moçambique informou aos seus clientes, particulares e empresas, que "em resposta a restrição na importação de notas em moeda estrangeira por parte do Banco de Moçambique, o nosso Banco viu-se na contingência de tomar uma medida interna de controle da sua liquidez neste meio de pagamento, por forma a gerir adequadamente esta situação e tentando diminuindo o impacto adverso. Neste sentido levamos ao vosso conhecimento que doravante o levantamento de notas em moeda estrangeira por débido da conta em moeda estrangeira ou a venda de notas em moeda estrangeira, passarão a observar os seguintes limites mensais: USD 500, ZAR 1.000, EUR 500".
Ainda não houve seguimento desta decisão, por parte dos restantes bancos comerciais em Moçambique, contudo há vários meses que a compra de divisas está dependente da sua disponibilidade nos balcões havendo situações de clientes que não conseguiram efectuar as suas operações por falta de dólares ou rands na respectivo banco.
Recorde-se que a crise económica e financeira agravou-se desde que o Governo de Filipe Nyusi decidiu assumir as dívidas secretamente contraídas pelas empresas Proindicus, MAM e EMATUM, com Garantia ilegal do Executivo de Armando Guebuza, o que originou a suspensão do apoio financeiro directo ao Orçamento do Estado por parte dos parceiros de cooperação internacional que exigem a realização de uma auditoria independente e internacional.
Indiferente ao facto do povo, que disse ser seu patrão, não conseguir fazer três refeições diariamente com 71 meticais o Presidente moçambicano prefere ignorar as reais razões da crise, recentemente declarou ser preciso esperar pelas investigações da Procuradoria-Geral da República, que duram há cerca de um ano sem resultados, e também pelos resultados da Comissão Parlamente de Inquérito à dívida pública que ainda nem sequer começou a investigar.
Alheio aos efeitos das decisões que a instituição que dirige está a originar, e ignorando as dívidas secretas, Ernesto Gove, o Governador do Banco de Moçambique, está de férias e por isso durante o mês de Agosto estas políticas monetárias que fazem o povo sofrer são para manter. A ver até que patamar desvaloriza o metical antes da próxima reunião do Banco Central marcada para meados de Setembro.