A greve e o silêncio: um professor explica o que a mídia tenta esconder

Na rede pública do Estado de São Paulo, a angústia, a insatisfação e a sensação de fracasso profissional não faltam um único dia. Não abonam, não tiram licença médica e podem ser encontrados na sala dos professores das 7h às 23h, diariamente, entre a copa do cafezinho e a sala da direção.

Na rede pública do Estado de São Paulo, a angústia, a insatisfação e a sensação de fracasso profissional não faltam um único dia. Não abonam, não tiram licença médica e podem ser encontrados na sala dos professores das 7h às 23h, diariamente, entre a copa do cafezinho e a sala da direção.

Verdadeiros profissionais nunca chegam atrasados (o fato de “morarem” na escola ajuda bastante nesse quesito) – e se gabam de receber, anualmente, o bônus dedicado aos “excelentes profissionais” que fazem do “mérito” uma importante política de incentivo. E como todo “funcionário-padrão”, nunca fazem greve.

Este ano o bônus foi bem gordo e a angústia foi às compras. Os cortes de verbas repassadas às escolas em 2015, no entanto, conduziram à carência e à paralisação das atividades administrativas das Unidades Escolares (UEs). Secretarias deixaram de emitir documentos simples devido à falta de papel sulfite e toner. As áreas comuns se tornaram verdadeiros chiqueiros por falta de material de limpeza; nem mesmo papel higiênico era encontrado.

A verba de manutenção, utilizada para dar um “tapa” nos horrorosos galpões escolares durante as férias, desapareceu. As aulas retornaram com as escolas do mesmo jeito que acabaram no ano anterior: “saunas” de aula sem ventiladores; paredes pixadas e sujas; carteiras e cadeiras quebradas.

A insatisfação não deixou por menos. Mais de 3.300 salas de aula foram fechadas, colocando na rua 20.000 professores que laboravam de sol a sol em estado precário. Milhares de professores efetivos foram obrigados a completar a jornada em até quatro escolas diferentes para poder pagar o aluguel e por comida na mesa.

Professores eventuais são obrigados a passar 16 horas de pé, amontoados em quadras de futebol, para angariar meia dúzia de aulas. Desmaios e agressões são comuns, bem como o olhar de desprezo dos funcionários das diretorias de ensino. Salas de aula com 70 alunos, enfurnados em verdadeiros fornos, tornaram-se a regra.

Não há livros didáticos e material de apoio em quantidade suficiente para atender à necessidade dos estudantes. (A apostila do Estado de São Paulo não conta. Criada às pressas em 2007 para despejar dinheiro público nas contas da Gráfica do Grupo Folha, nunca recebeu em oito anos uma púnica revisão. Ela é melhor utilizada para tapar as janelas quebradas.)

E a sensação de fracasso? Só avança. As notas dos Ensinos Fundamental e Médio permanecem teimosamente estacadas no mesmo ponto há vinte anos, alheias a todas as tentativas de melhoria da educação pelo viés neoliberal; o tráfico atua livremente dentro das escolas, um mercado bastante rico e diversificado. A violência entre alunos, professores e funcionários é cotidiana, tanto física quanto simbolicamente, fruto do modelo vigente que norteia o ensino público: a escola-prisão.

Atores escolares são lembrados diariamente, por todas as condições acima citadas, o que, aos olhos do Estado e da sociedade, são de fato: Lixo. Não há outra interpretação. A Escola dos pobres não passa de uma prisão precária, destinada a mantê-los não apenas cincunscritos à periferia, mas também marginais em em seu próprio futuro.

A invisibilidade dos professores da rede do Estado e o silêncio em relação ao tártaro da Educação deixa claro que tal postura não cabe apenas ao nosso Almirante do Tietê, mas também é norma entre a elite branca que desfila em micareta fascistas e trabalha nas redações da grande mídia corporativa. Mas não há nada de novo nesse front.

Frente a essa situação, dezenas de milhares de professores reunidos no vão do MASP, no último dia 13 de março, decidiram entrar em greve por tempo indeterminado. A pauta de reivindicações é ampla e extensa, assim como é a lista de problemas que enfrentamos diariamente nas escolas e que vão muito além da nossa obscena condição salarial:

- reabertura de todas as 3,3 mil salas de aulas fechadas

- fim da superlotação das salas: máximo de 25 alunos por sala

- readmissão de todos os professores demitidos: fim da “quarentena” e “duzentena”

- fim da divisão da categoria: revogação da lei 1093.

- revogação do decreto do reajuste ZERO!

- reposição das perdas salariais: 75,33% de reajuste para equiparar os professores aos demais profissionais de nível superior.

- redução da jornada de trabalho (1/3 extraclasse já!)

- fim da política de bônus: pagamente de 14º salário a todos os professores

- fim da prova de mérito e da quebra da isonomia salarial da categoria

- convocação de todos os professores concursados e estabilidades aos professores temporários

- fim da limitação de faltas médicas e direito ao atendimento no Iamspe a todos os professores.

- direito de creche a todos os filhos de professores. Pagamento de adicional (auxílio-creche) às mães e pais professores, enquanto essa reivindicação não for atendida

- reajuste do valor do vale alimentação (R$ 30) e vale transporte, e que sejam pagos a todos os professores.

- não à Escola de Tempo Integral do governo tucano (gratificação de 70% para todos)

- não à política de corte de verbas destinada à manutenção das escolas

- garantia de abastecimento de água nas unidades escolares

Cada pauta reivindicatória de nossa greve busca apontar na direção daquilo que nossa categoria entende ser fundamental e imprescindível se quisermos transformar a educação pública brasileira. Essa transformação não pode, em momento algum, ignorar a necessidade de valorização da nossa categoria, hoje tão precarizada quanto as escolas nas quais atua.

No entanto, a despeito do consenso nacional sobre a importância estratégica da educação de base para o desenvolvimento pleno de nosso país, fica claro que em todas as esferas governamentais – assim como nas ditas camadas sociais “superiores” – a situação desesperadora em que vivem os professores brasileiros é um tabu a não ser discutido na sala de jantar.

A precarização de nossa categoria, iniciada pelos golpistas de 64 e consolidada pelos economistas liberais da década de 90, estendeu-se para a periferização dos professores no próprio debate nacional sobre Educação. Não participamos dos Conselhos Estaduais; não somos chamados para debates públicos ou consultas; mesmo as universidades públicas e seus professores, do alto de seus doutorados, tratam-nos com o mais absoluto desprezo: aos seus olhos somos os serventes de pedreiros na construção do edifício do saber.

Uma única noite entre os alunos que frequentam os cursos de licenciatura da FEUSP nos afoga em comentários de deboche com relação à docência. A maioria deles encara a licenciatura como último recurso a ser utilizado, no caso de tudo o mais dar errado em suas vidas. Isso explica porque apenas 3% dos professores da Rede são egressos de universidades públicas. Para a Casa Grande, aqueles que educam os escravos não têm absolutamente nada a oferecer. Devem ser silenciados para bem cumprir o papel de carcereiros da juventude preta e pobre da periferia.

Esse descaso ficou ainda mais evidente na última semana. Enquanto nossa greve cresce, fruto do trabalho de milhares de professores organizados nos comandos de greve, centenas de casos de assédio moral se espalharam pelas escolas como uma epidemia. Dirigentes ameaçaram professores em seu legítimo direito de greve e professores eventuais foram constrangidos a entrar nas salas de professores grevistas.

A ordem da Secretaria é ignorar a existência da greve. Essa política absurda e autoritária foi evidenciada por nota da Secretaria, que afirma que “96% dos professores encontram-se em sala”. Ora, essa é a taxa natural de presença dos professores em um dia letivo normal. É como se a greve simplesmente não existisse!

Tampouco é possível saber da greve pelos oligopólios midiáticos, aliados viscerais do tucanato paulista. Na última sexta-feira, 40.000 professores pararam a Avenida Paulista e marcharam em direção à Secretaria da Educação. A Record tratava sobre a calvície; a Band ganhava pontos explorando a morte de um pobre trabalhador atingido por um relâmpago; da Globo, Folha, Estadão e SBT, sequer comentamos: sabemos bem o que esperar desse mato. Nos portais de internet, todas as notícias se resumem a uma única nota: professores querem mais aumento. Mais nada.

Cerca de 120.000 professores deixaram claro: lutarão contra esse deplorável estado de coisas. Nossa luta vai além da recuperação salarial da categoria – essencial e necessária – e se aprofunda na destruição sistemática da educação-mercadoria em favor da escola pública, gratuita e de qualidade para todos. Magistério não é sacerdócio. Queremos ser tratados como profissionais, trabalhadores que se orgulham do trabalho que fazem e que sabem ser fundamental para o sucesso escolar a construção de condições materiais favoráveis para que ele venha a criar raízes e florescer.

Não lutamos apenas por nós, mas por todos aqueles que sonham e labutam pela construção de um ensino público de qualidade. Pedimos por isso o apoio de todas as forças progressistas que entendem ser a luta pela educação pública algo além de meras palavras vazias.

“Todo ano é a mesma novela”. Foram estas as palavras de Geraldo Alckmim, Governador do Estado de São Paulo, ao ser questionado sobre a greve dos Professores da Rede Estadual de Ensino. Não, governador. Não é uma novela. É um filme de terror. Um filme que o senhor dirige e projeta há vinte anos. Está na hora de mudarmos o rolo do filme. Por bem ou por mal. Ignorar-nos não será mais uma opção.

* Pedro Ramos de Toledo é professor da Rede Pública do Estado de São Paulo.
*AS OPINIÕES DO ARTIGO ACIMA SÃO DO AUTOR(A) E NÃO REFLETEM NECESSARIAMENTE AS DO GRUPO EDITORIAL PAMBAZUKA NEWS.
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