Printer-friendly versionSend by emailPDF version
TL

Uma análise profunda sobre o estado da sociedade Timorense, pelo jornal a Voz Socialista.

Um pouco na linha de raciocínio de Quivy e Campenhoudt, uma boa pergunta de partida para iniciarmos este «Editorial» é aquela que contribui para um melhor conhecimento dos fenómenos a analisar, portanto, onde se destacam os processos sociais, económicos, políticos ou culturais. Neste sentido, perguntemos a todos nós, qual é o ponto de situação em relação à distribuição das riquezas em Timor-Leste e ao desenvolvimento do País?

As estatísticas do PNUD (2014) indicam que Timor-Leste regista desigualdades muito elevadas, quer no domínio do desenvolvimento humano, quer na educação, porque tem muitas debilidades no que respeita ao acesso aos bens e serviços fundamentais e às infra-estruturas básicas. Por outras palavras, apesar de Timor-Leste dispor de importantes recursos naturais, a pobreza e a exclusão social são preocupantes e crescem de forma exponencial. Por agora não se nota nenhuma política pública que possa contornar esta calamidade.

A pobreza pode ser vista de diversas perspectivas como argumentou Avelino Coelho da Silva / Shalar Kosi FF na sua obra editada em 2014 intitulada “As causas da pobreza e subnutrição em Timor-Leste”. Contudo, apesar dos diferentes pontos de vista, há uma certeza, a pobreza deve ser entendida como uma situação existencial, relacionada com as necessidades materiais, onde intervêm também aspectos de ordem sociológica, social, cultural, etc., com repercussões na vida e na personalidade de cada um.

Amartya Sen (1999), citado por Bruto da Costa (2008), faz uma associação muito interessante entre a pobreza e a noção de (falta de) liberdade. É uma nova perspectiva que aprofunda o conceito e aplica-se que nem uma luva ao nosso caso de Timor-Leste. E Porquê? Uma pessoa com fome não é livre, antes de tudo não é livre de comer. E quem não é livre de comer também não tem condições para o exercício da liberdade. Quem enfrenta a fome, por lhe faltar meios de subsistência, está postado à dependência dos mais fortes. Aí reside a nova teia denominada dependência, que constitui uma nova fonte da desumanização humana. Quem vive dependente dos outros, principalmente no âmbito económico, esvazia a sua natureza de ser livre e autónomo.

Se olharmos para a sociedade timorense como um conjunto de sistemas sociais nos diferentes aspectos como o económico (mercado de bens e serviços, educação ou saúde), por exemplo, verificamos que os agricultores não produzem por falta de apoio e somos obrigados a importar produtos como o arroz que por sua vez é comprado pelos agricultores para poderem sobreviver. Mas não é apenas isto, outro factor que contribui para os agricultores não produzirem é a nova mentalidade implantada nos últimos anos da ocupação de Timor-Leste. As nossas mentalidades alteraram o curso da própria evolução, onde os que já conseguem ler e escrever se sentem escravizados a trabalhar nas hortas e várzeas. Esta situação tem a ver hoje com a falta de mãos de obra jovem nas zonas agrícolas e o crescer exorbitante do desemprego nas cidades urbanizadas. Cresceu nas entranhas da nossa sociedade uma categoria de intelectuais orgânicos mas, por estarem estagnados, nunca até aqui conseguiram ser a pedra basilar das mudanças sociais e económicas.

Há níveis de analfabetismo assustadores no seio da juventude, abandono escolar precoce, discriminação e violência crescente. Estes são traços emblemáticos dos modelos de sociedade onde reina o modelo de produção capitalista. Onde ou em que estágio estamos?

No mercado de trabalho há factores de exclusão gritantes, como o desemprego e salários baixos e problemas graves ao nível da segurança social. Em matéria de saúde, temos um péssimo sistema de acesso aos serviços de saúde e acesso aos medicamentos. Ao nível institucional, temos péssimos serviços de apoio social, pois não há apoio à infância, não há apoio a idosos, nem a deficientes.

O nosso sistema jurídico, importado ou copiado, não corresponde à fase actual do nosso desenvolvimento sociocultural e económico. Daí que as leis andem à frente da sociedade, e o povo postado a seguir ou a aceitar um sistema jurídico, quer híbrido e não híbrido, quer civilista ou do “common law”, pouco importa, e que não contribui para a moldagem de uma nova sociedade pela qual muitos deram a vida. São as leis instrumentos que moldam as sociedades, os aspectos de “law enforcement” simplesmente trabalham na manutenção do sistema. As leis asseguram a justiça, para os que sentem que elas as condicionam, mas para os que vivem na fome de tudo, aceitam que as leis não os beneficiam. Aqui reside o relativismo da justiça social.

No deambular nas trincheiras incertas, houve-se gentes a agitar uma ideia “absurda” ao querer cultivar na mente dos nossos camponeses a urgência duma lei de terras e propriedades. Compõem uma canção meticulosa, demasiado, para afirmar que não vem investimento se não tivermos uma garantia dos títulos de propriedade. Estas gentes esquecem-se de que temos dois sistemas legais de títulos de propriedade, o sujeito ao direito consuetudinário/direito tradicional que ainda vigora nas nossas aldeias mais remotas e que nunca se submeteram ao direito positivo colonial; e o sujeito ao direito colonial. Forçar a aprovação de leis das terras e propriedades sem definir uma política agrária é o mesmo que entregar de bandeja todas as parcelas de terras, propriedade indiscutível dos nossos camponeses. Com este estado de coisas, queiramos ou não, irão contribuir para as desigualdades sociais.

No que diz respeito à habitação, há milhares de jovens sem acesso à habitação social e existem situações de sem abrigo. É uma situação preocupante! Pode ser reflexo dum sistema económico desadequado à nossa evolução como povo e nação, ou pode ser por falta de iniciativas, como resultante duma sociedade ou dum modelo de sociedade que perdeu as suas próprias características. Por onde avaliar?

A leitura a fazer em relação à situação actual em Timor-Leste é a de que a independência não conduziu o povo a trilhar os novos caminhos depois da ponte de ouro. As gentes viram na independência o fim das suas lutas. Acreditavam que a independência em si libertaria cada um e todos e que seria erguido um Estado Previdência e Providência, como outro lado do Estado Social, que ofereceria pão e água para todos. Uma expectativa errada, a causa da ausência da conscientização política das massas. Aqui se alimenta a emoção das classes sociais, quer ela burguesa, pequena burguesa, ou as classes mais desfavorecidas. O Poder, cedo ou tarde, pendulará entre segmentos destas classes sociais que a nossa luta produziu e o nosso actual sistema amamentou.

No âmbito das leis que alimentam o processo democrático, o Parlamento Nacional aprovou a proposta de lei nº 22/III (3ª), segunda alteração à lei nº 5/2006, de 28 de Dezembro (Órgãos de Administração Eleitoral). Esta lei situa em causa os órgãos eleitorais, factores determinantes para a construção de uma verdadeira vida democrática. Porque é que esta lei, para além de outros, traz como um dos objectivos acabar com o actual mandato da CNE – Comissão Nacional de Eleições (2013/2019) e desvincular os seus comissários? Alterar a composição dum órgão eleitoral a meio do mandato, não existe outra conclusão a não ser a de querermos mostrar que o nosso sistema é tão frágil e inseguro para gentes que trabalham num tal ou qualquer órgão.

Esta lei é claramente inconstitucional porque em conformidade com a lei anterior sobre Órgãos de Administração Eleitoral (Artigo 6º – Estatuto), e que se mantém na lei ora aprovada, “os membros da CNE são inamovíveis e independentes no exercício do mandato…”. Se são inamovíveis, em bom português, significa que “não se pode mover”, ou seja, os Comissários da CNE, por força da lei, não podem ser retirados à força até 2019.

Tudo o que foi dito, e outros aspectos da nossa sociedade que não foram ressaltados, constituem o rosário da vida de um povo que lutou, porque queria ser livre e independente mas não estava preparado para assumir os jogos e as regras dum sistema democrático. O povo depositou nas urnas os seus votos, o cardinal democrático dos seus poderes. Mas, fê-lo, movido por laços emocionais, e por vínculos primordiais amarrados à teia de uma ilusão material, abalados por uma fatia de pão e por uma gota de água que em nada lhe enalteceu ao longo dos anos de uma governação, que não lhe pertence, após a validação dos votos válidos convertidos.

O Partido Socialista de Timor (PST) está consciente de que as relações das diferentes classes sociais estão a crescer no País e são divergentes em questões essenciais. Por esta razão, com convicção e apoio total da sua Direcção Política, o PST aprovou importantes resoluções no IV Congresso Nacional realizado em Díli nos dias 12 e 13 de Setembro de 2015, com a eleição e renovação dos seus principais órgãos.

Pela sua história, pelo seu passado político, enquanto AST, na luta de libertação nacional de Timor-Leste, pelo seu papel na fundação da Brigada Negra (BN), uma das forças especiais do Estado-Maior das FALINTIL nos momentos mais difíceis da luta, pelos valores e princípios que defende, tendo consciência de que as relações entre as classes dominantes e as classes dominadas são fundamentalmente relações de desequilíbrio económico e de ausência de uma consciência política e ideológica, o PST tudo irá fazer politicamente para que a sua luta, a luta dos trabalhadores, oprimidos e excluídos, constitua um dos motores da história e das transformações sociais em Timor-Leste para prosseguir a luta na construção de um País com Humanismo, Solidariedade Social e Justiça Social.

* - Editorial do Jornal «A Voz Socialista» publicado em Fevereiro de 2016