Os países africanos apresentam, na sua maioria, uma tendência rápida para a privatização de plantas africanas, escreve Oduor Ong'wen. Ainda que os materiais vegetais patenteados sejam frequentemente oriundos de África, assim que são patenteados por empresas multinacionais, tornam-se virtualmente inacessíveis tendo em vista o bem comum.
Milhares de patentes de plantas africanas tem sido arquivadas. Estas incluem a brazeína, uma proteína 500 vezes mais doce que o açúcar extraída de uma planta no Gabão; o teff, o grão usado no pão "injera ", na Etiópia; e a taumatina, um adoçante natural extraído de uma planta da África Ocidental. Também compõem esta lista o pau de sabão africano, o feijão-frade de Kunde Zulu e o material genético da planta de cacau da África Ocidental.
Os países africanos vão, cada vez mais, chamar a atenção para a patenteação das suas plantas nativas. O caso mais famoso até à data envolve o cacto Hoodia do deserto de Kalahari. Durante séculos, o povo San, África do Sul, ingeriu pedaços do cacto para evitar a fome e sede. Ao analisar o cacto, o Conselho de Pesquisa Científica e Industrial (CSIR – Council for Scientific and Industrial Research), na África do Sul, descobriu a molécula inibidora do apetite e vendeu à farmacêutica Pfizer os direitos para desenvolvimento de um medicamento anti-obesidade. Valeria milhões.
Um dos casos mais graves de externalização de recursos é o desenvolvimento comercial de materiais biológicos naturais, tais como substâncias vegetais ou estirpes de células genéticas, por um país tecnologicamente avançado ou uma empresa transnacional sem que haja uma compensação justa para os povos ou nações do mundo em desenvolvimento. A apropriação e patenteação de nano tecnologias por parte de empresas têm frequentemente ido contra os melhores interesses da humanidade, particularmente nos países menos desenvolvidos.
BIOTECNOLOGIA E DIREITOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL
Os Direitos de Propriedade Intelectual (DPI), como o termo sugere, referem-se aos direitos sobre ideias e informações usadas em invenções ou novos processos. Estes direitos permitem que o titular impeça imitadores de comercializar tais invenções ou processos durante um determinado período de tempo. Em contrapartida, o titular deve divulgar a fórmula ou ideia que está na base do produto ou processo. Muito antes do nosso tempo, Aristóteles preocupou-se com as formas de recompensar os inventores. Embora as origens das patentes e de outros DPI não sejam muito claras, em Inglaterra, conseguem-se localizar as primeiras patentes no século XV. Desde então, a lei que regula as patentes passou por diversas revisões, reflectindo um processo contínuo de evolução paralela com a tecnologia e sociedade.
A globalização está a conduzir a regimes de DPI harmonizados por todo o mundo, mesmo quando se trata de fortes contrastes de riqueza entre países altamente desenvolvidos e menos desenvolvidos. O propósito dos DPI é, portanto, criar um monopólio, durante um período limitado, no que respeita à exploração comercial de uma ideia ou informação.
Ao passo que os DPI como direitos de autor, patentes e marcas registadas são centenários, a extensão dos DPI até aos seres humanos e conhecimentos ou tecnologias afins é relativamente recente. Em 1930, nos EUA, foi aprovado o "Plant Patent Act" (“Acto de Patenteação Vegetal”), o que veio atribuir DPI a variedades vegetais reproduzidas de forma assexuada. Vários outros países, posteriormente, aplicaram estas ou outras formas de protecção de variedades vegetais, até que, em 1961, foi assinada a Convenção Internacional para Protecção de Novas Variedades Vegetais. Os signatários foram, em grande parte, os países industrializados que também tinham formado a União para a Protecção de Novas Variedades Vegetais (UPOV – Union for the Protection of New Varieties of Plants). Este tratado entrou em vigor em 1968.
Os direitos das variedades vegetais ou dos criadores vegetais atribuem ao titular poderes de regulamentação limitados sobre a comercialização das "suas" variedades. Até há pouco tempo, a maioria dos países permitia que os agricultores e outros criadores fossem isentos das disposições de tais direitos, desde que não se envolvessem em transacções comerciais registadas das variedades. Mas, agora, após uma emenda em 1991, a UPOV tem vindo a limitar a natureza monopolista deste direitos e alguns países têm abolido as isenções aplicadas a agricultores e criadores.
Em muitos países, as patentes com plenas restrições monopolistas são agora aplicáveis às variedades vegetais, microrganismos e animais geneticamente modificados. Em 1972, o Supremo Tribunal dos EUA decretou como permissível o pedido de patente para uma bactéria geneticamente desenvolvida, apresentado pela microbiologista Ananda Chakrabarty. Isto veio legitimar a ideia de que qualquer criação humana não encontrada na natureza pode ser patenteada. Pouco tempo depois, foram também atribuídas patentes a animais geneticamente modificados, tais como o famoso "onco-rato" da Universidade de Harvard (criado para a pesquisa oncológica).
Por fim, foram apresentados diversos pedidos de patentes e alguns foram concedidos, para material genético humano, incluindo material praticamente inalterado. Até muito recentemente, estas tendências restringiam-se a países isolados que não se pudessem impor a outros. No entanto, este cenário modificou-se aquando da assinatura dos Aspectos Relacionados com o Comércio dos Direitos de Propriedade Intelectual (TRIP – Trade Realated Aspects of Intellectual Property Rights). O TRIP exige que todos os países signatários aceitem:
• Patentear microrganismos e "processos microbiológicos".
• Uma forma "eficaz" de DPI sobre as variedades vegetais, quer sejam patentes ou alguma nova versão.
O acordo permite que os países excluam animais e plantas per se da patenteabilidade. No entanto, as cláusulas acima referidas têm implicações sérias, uma vez que os países já não podem recusar a patenteação de formas de vida no geral (os microrganismos podem ser patenteados).
BIOTECNOLOGIA, PATENTES E BIODIVERSIDADE
A biodiversidade sustenta a vida económica, social e cultural de milhões de pessoas em todo o mundo, especialmente das comunidades indígenas. Evidentemente, a preservação da biodiversidade através de uma série de iniciativas bem documentadas é mais do que uma preocupação estética ou estritamente ambiental. A biodiversidade tem também uma atracção comercial. A agricultura, a indústria farmacêutica, a silvicultura, as pescas e o turismo, entre outros, são as principais áreas económicas fortemente dependentes da biodiversidade, atraindo a atenção de investigadores e investidores daquelas actividades. É inegável que a gestão de recursos biológicos tem um efeito profundo, para o melhor ou para o pior, na biodiversidade e nos serviços ecológicos associados que sustentam a vida. A destruição do habitat, como resultado de necessidades humanas concorrentes, resultou na perda de inúmeras espécies da flora e fauna, algumas conhecidas e outras desconhecidas. No entanto, o recente interesse comercial sem precedentes também pode desempenhar um papel na preservação da biodiversidade. Tal como pode também destruí-lo irremediavelmente.
As questões pertinentes estão incluídas tanto na Convenção para a Biodiversidade (CDB – Convention on Biodiversity), cujo objectivo é a conservação da biodiversidade e a protecção dos direitos da comunidade, como no Acordo TRIP da Organização Mundial do Comércio (OMC) que enfatiza os direitos de propriedade privada sobre os direitos da comunidade. Há conflitos visíveis entre os objectivos do Acordo TRIP e os da CDB, evidenciando a falta de consenso internacional no que diz respeito a estas difíceis questões sobre direitos e equidade.
Em 2002, Hoodia Gordonii reescreveu uma história global da exploração dos povos indígenas. Durante milhares de anos, o povo San, da Namíbia, tem ingerido o cacto Hoodia - chamado ‘Xhoba’, no dialecto local - para evitar a fome e a sede nas longas jornadas de caça. Para além de aliviar a fome e sede, o Xhoba também origina um estado de alerta sem a sensação de nervosismo causada pela actual dieta ocidental à base de cafeína. Assim, é a escolha ideal para longas caçadas onde a presa é perseguida por centenas de quilómetros.
Em meados dos anos 90, no Conselho de Pesquisa Científica e Industrial (CSIR – Council for Scientific and Industrial Research), cientistas sul-africanos começaram a estudar as propriedades do Xhoba. Os animais de laboratório alimentados com o cacto registaram perdas de peso, mas, em contrapartida, não sofreram efeitos secundários negativos. Foi durante estes testes que os investigadores do CSIR descobriram que a planta continha uma molécula até então desconhecida, designada de P57. O CSIR, que patenteou o composto em 1997, vendeu a licença à Phytopharm plc. Esta, por sua vez, em 1998 sublocou os direitos de comercialização à gigante farmacêutica norte-americana, Pfizer Corporation por 32 milhões de dólares americanos, valor acrescido de comissões sobre vendas futuras. O CSIR foi acusado de vender algo que não lhe pertencia, apesar de alegar ter sempre em mente os melhores interesses dos San. O povo San processou o CSIR e receberá cerca de 8% dos lucros obtidos com o medicamento para dietas derivado do Hoodia, uma planta que eles bem conhecem.
Em meados de 1980, pesquisadores australianos, liderados pelo Dr. John Frisch, identificaram a necessidade de introdução de raças tropicais adaptadas não relacionadas com o gado Brahman, que iriam complementar os atributos desta raça. Voltaram-se para África. Após uma cuidadosa avaliação, conclui-se que os candidatos adequados eram os Boran, do Quénia, e os Tuli, do Zimbabwe. Os factores mais importantes a seu favor foram a produtividade, a alta fertilidade e adaptabilidade a regiões mais quentes. Ambas as raças têm uma longa história como produtores de carne em ambiente hostil e este facto, juntamente com as suas diferenças genéticas extremas em relação a raças previamente introduzidas, foi determinante para o projecto.
Os Tuli apresentam muitos atributos reconhecidos, incluindo a alta fertilidade, a qualidade superior da carne e o temperamento dócil. Também possuem resistência comprovada a pressões ambientais. É uma raça oriunda do Zimbabué e da Zâmbia. Em 1987, uma joint venture entre a Organização para a Comunidade Científica e Pesquisa Industrial (CSIRO – Commonwealth Scientific and Industrial Research Organisation) - uma agência governamental australiana - e o Consórcio de Produtores de Boran e Tuli, um consórcio de produtores australianos, recolheu sub-repticiamente embriões Boran e Tuli do Zimbabué e da Zâmbia, respectivamente. Os embriões foram discretamente levados para as Ilhas Cocos, em Agosto de 1988, onde foram implantados em vacas de aluguer. Em Março de 1990, surgiram na Austrália bezerros - apresentados como “Aussies”. Desde então, os Tuli têm sido bastante utilizados como raça cruzada na indústria australiana de carne bovina, cuja avaliação se estima rondar os 6,47 bilhões de dólares americanos [1].
O aumento dos lucros da indústria animal australiana, que pode ser atribuído à introdução dos Tuli, ronda os 2 bilhões de dólares anualmente. [2] O consórcio australiano está também a vender os embriões nos mercados australianos e mundiais. Em Maio de 1994, ocorreu, na Austrália, a segunda venda de embriões de raça pura Boran e Tuli. Os embriões Tuli estavam a registar uma procura tão grande que se atingiu um novo recorde mundial de 5.500 dólares.
Mas a Austrália não vende apenas raças cruzadas. A RAFI, uma ONG canadense, revelou este facto em 1994, durante uma venda de touros Tuli puros, com dois a três anos de idade, na Austrália, tendo o consórcio também revelado que: "As vendas de sémen e embriões têm superado as expectativas, com forte procura por parte da América." Este é um indicador de que os australianos estão a vender embriões de raça pura do Zimbabué a países nas Américas e se apropriam de todas as receitas.
Em 2003, o governo queniano viu-se envolvido numa discussão menos divulgada com Jonathan Leakey sobre as exportações de produtos de uma árvore conhecida como “mweri” na língua Gikuyu. O “mweri”, também conhecida como “ameixa africana” ou “Pygeum” (“Prunus Africana” no mundo científico), é uma árvore multifuncional. A casca castanha escura da árvore é utilizada no tratamento de várias doenças, tais como complicações do aparelho genito-urinário, alergias, inflamações, doenças renais, malária, dor de estômago e febre. Também tem sido utilizada no tratamento da hiperplasia benigna da próstata (HBP) e na “doença do homem mais velho”.
Apesar da sua tão bem conhecida origem indígena, o extracto da casca de “mweri” está patenteado por um empresário francês, Dr. Jacques Debat. Anualmente, são exportadas cerca de 300 toneladas do extracto da casca. No Quénia, o preço da casca de “mweri” é de 2 dólares americanos por quilo, ao passo que o extracto da casca em recipientes é comercializado no mercado europeu por cerca de 8 dólares americanos, cada conjunto de quinze unidades. Um quilo de casca, numa estimativa baixa, produz cerca de 100 daqueles conjuntos. Assim, os franceses pagam aos quenianos 2 dólares para ter um lucro de 800. Além disso, tivesse o Quénia desenvolvido a capacidade de fabrico de medicamentos a partir desta casca e seria obrigado a pagar elevadas comissões a Jacques Debat, o detentor da patente.
Tanto o Centro Mundial Agroflorestal (ICRAF – World Agroforestry Centre), sedeado em Nairobi, como o Future Harvest, em Washington, estimam que o mercado mundial para produtos “Prunus” se situa, actualmente, nos 220 milhões dólares americanos anuais. Pelo menos quatro empresas europeias têm interesse na árvore. O produto é "comprado" pelo preço de uma canção em África e vendido de forma exorbitante enquanto produto final.
NANOTECNOLOGIA E AGROBIODIVERSIDADE
Desde os primórdios da agricultura, há mais de 10 milénios, que os humanos têm alimentado as plantas e os animais a fim de garantirem as suas principais fontes de alimento. Através da selecção cuidada das características, sabores e texturas para preparar boa comida, os seus esforços resultaram numa incontável diversidade de recursos, variedades, raças e subespécies genéticas das poucas plantas e animais usados pelos humanos para alimentação e agricultura - a biodiversidade agrícola.[3] A biodiversidade agrícola inclui também a diversidade de espécies que suporta a produção, tal como a biota do solo, polinizadores e predadores.
Esta diversidade de espécies, raças e sistemas contribuem para a segurança alimentar e contra ameaças, adversidades e mudanças ecológicas futuras. A biodiversidade agrícola é, portanto, o primeiro elo da cadeia alimentar, desenvolvido e mantido por povos indígenas, mulheres e homens agricultores, habitantes da floresta, criadores de gado e pescadores em todo o mundo. Tem sido desenvolvida como resultado da livre circulação de recursos genéticos entre os produtores alimentares.
Esta biodiversidade agrícola está agora sob ameaça - devido ao avanço humano na ciência e tecnologia. As raças animais, as variedade vegetais e os recursos genéticos estão a desaparecer a uma taxa alarmante. Estima-se que mais de 90% das variedades de culturas, no século passado, tenham desaparecido dos campos dos agricultores e que as raças de gado estejam também a desaparecer a uma taxa de 5% por ano. A biodiversidade do solo, incluindo a diversidade microbiológica, e a diversidade de polinizadores e predadores também correm grave perigo.
São necessárias medidas urgentes para inverter estas tendências. Há também uma necessidade urgente de encetar e promover acções que protejam os recursos genéticos armazenados em bancos públicos genéticos ex situ que, muitas vezes, sofrem de manutenção precária. As ameaças a esses recursos, tanto in situ como ex situ, também incluem a poluição por material geneticamente modificado e o uso crescente dos DPI exigindo a propriedade exclusiva sobre variedades, raças e genes, o que, por sua vez, restringe o acesso dos agricultores e outros produtores alimentares. Esta perda de diversidade está a acelerar a acentuada insegurança alimentar que actualmente manda cerca de dois bilhões de pessoas para a cama com fome.
Os inovadores mais importantes e capazes de África são os pequenos agricultores. No Sahel, por exemplo, os agricultores produzem entre 2 a 10 vezes mais proteína animal por quilómetro quadrado do que os agricultores comerciais na Austrália e nos EUA. [4] A inovação dos agricultores africanos é particularmente importante quando se trata da criação de plantas. Estima-se que os agricultores africanos dependem das sementes cultivadas nas suas próprias comunidades em cerca de 90% das próprias necessidades suas sementes. A maioria desses criadores de sementes são mulheres, responsáveis pela produção de 70% dos alimentos para uso na região. Elas seleccionam meticulosamente as sementes que se adequam a vários tipos de solo e condições de crescimento e que apresentam determinadas características, como a estabilidade, a resistência a doenças, a tolerância à seca, a qualidade do sabor e a qualidade de armazenamento.
Os criadores do sector formal, dos sectores privado e público, ainda são relativamente insignificantes. Na área de Machakos, no Quénia, por exemplo, as contas comerciais de sementes são responsáveis por menos 2% das sementes de feijão-frade e feijão-guandu utilizadas pela média dos agricultores, ao passo que os mercados locais e vizinhos fornecem mais de 17% [5]. Na região sul-africana, a multiplicação de sementes no local e o armazenamento de sementes pelos agricultores representam entre 95% e 100% das sementes utilizadas para o sorgo, milho-miúdo, leguminosas alimentares e culturas de raízes e tubérculos. Na Zâmbia, 95% da cultura de milho-miúdo é obtida a partir de sementes dos agricultores. Mesmo com uma cultura comercial como o milho, os pequenos agricultores são geralmente os principais fornecedores de sementes. No Malawi, apesar de anos de esforços encetados por empresas de sementes públicas, o milho híbrido não cobre mais do que 30% da área de pequenos proprietários. Os pequenos agricultores constituem, de longe, o maior sector de criadores de sementes em África e têm cultivado a diversidade abundante em que assenta a segurança alimentar do continente [6].
INOVAÇÃO POR PARTE DOS PRODUTORES EMPRESARIAIS
A produção pelo sector privado é impulsionada principalmente pela biotecnologia. A biotecnologia vegetal nasceu nos anos 80 com as primeiras liberações comerciais de colheitas transgénicas. A par com a comercialização, deu-se o aumento na protecção dos DPI. No entanto, têm sido levantadas questões em relação a este desenvolvimento. Algumas referem-se a valores culturais, tais como os direitos dos agricultores ancestrais, o conhecimento tradicional ou a soberania alimentar, outras debruçam-se sobre questões éticas como a patenteabilidade de formas de vida. O que causa algum desconforto quando se fala de DPI em biotecnologia agrícola é o facto da agricultura ter sido considerada, até ao momento, como "o último refúgio dos livres". Os agricultores têm tido a liberdade para replantar as suas próprias sementes e vendê-las a outros agricultores desde os primórdios da agricultura.
À excepção de algumas empresas de sementes sedeadas em África, o sector privado de sementes africano é dominado por uma mão cheia de empresas transnacionais, tal como acontece no resto do mundo. Seis empresas transnacionais controlam, só por si, mais de 30% do mercado global das sementes. As mesmas seis empresas controlam mais de 70% do mercado global de pesticidas e mais de 98% do mercado global de culturas geneticamente modificadas patenteadas. O motor por detrás desta integração de sementes, pesticidas e biotecnologia é o desenvolvimento de sementes transgénicas programadas para crescer conforme especificado. As empresas têm recorrido à engenharia genética para desenvolver culturas que não se reproduzam nas gerações posteriores, culturas com resistência a herbicidas e culturas que não crescerão devidamente a menos que sejam pulverizadas com uma mistura química patenteada. Embora os custos de investigação e desenvolvimento sejam elevados, as empresas acreditam na recuperação destas despesas através dos direitos de monopólio e comissões.
Até recentemente, a indústria transnacional de sementes tinha pouco interesse em África. Fora da África do Sul e do Zimbabué, o mercado de sementes subsaariano vale apenas 200 milhões de dólares americanos - um valor insignificante para estas grandes empresas. Mas, com o advento da engenharia genética, estas empresas manifestam agora um interesse mais activo no mercado de sementes africano. Os analistas do sector estimam que a introdução de culturas geneticamente modificadas pode aumentar o valor dos mercados de sementes em 50%, tornando o mercado africano bastante valioso, ainda relativamente pequeno.
A expansão da indústria multinacional de sementes para África chegou com uma intensa pressão para o desenvolvimento de DPI. Enquanto a indústria se apresenta como uma fonte benevolente de tecnologias essenciais para a segurança alimentar africana, essas mesmas tecnologias acarretam um elevado custo. Como parte dos seus planos para expandir os mercados em África, as empresas transnacionais de sementes deixaram claro que aguardam os direitos de monopólio sobre as suas sementes. Peter Pickering, gerente da Pioneer South Africa, resume a visão da indústria multinacional de sementes em África: "Não vamos actuar em nenhum país que não tenha DPI." [7]
ENTRAR NA BIOMEDICINA
Na esfera médica, a nano tecnologia tem contribuído imenso para o fabrico de medicamentos usados no tratamento de doenças e condições cuja cura tem enganado os médicos. Contudo, à semelhança de outras inovações bio-industriais, este benefício para a humanidade não tem sido equitativamente partilhado. Abaixo estão alguns dos destaques.
Enquanto muitos pacientes diabéticos podem agradecer a um micróbio do Lago Ruiru, no Quénia, por um medicamento que melhora as suas vidas, o estado do Quénia ou pessoas não têm nada a declarar. Os diabéticos tipo II tomam frequentemente acarbose, um medicamento comercializado pelas marcas Precose (nos EUA e no Canadá) e Glucobay (na Europa e em outros lugares). Em 2001, um grupo de cientistas da gigante farmacêutica alemã Bayer, e académicos alemães publicaram um artigo no Jornal de Bacteriologia, afirmando que uma estirpe de bactérias chamada SE 50 estava a ser usada para produzir o medicamento para diabéticos, a acarbose [8]. A acarbose é um "inibidor da alfa-glicosidase”, o que significa que funciona regulando a absorção da glicose na corrente sanguínea, impedindo picos de glicose potencialmente perigosos. No artigo, descreveram o fabrico de acarbose e compostos relacionados.
A acarbose é vastamente vendida pela Bayer. Em 2004, as vendas de acarbose da Bayer somaram 379 milhões de dólares americanos. [9] Como é feita? Em 1995, cinco anos depois do Glucobay ter sido comercializado na Europa e um ano antes de ser lançado na América do Norte, a Bayer entrou com um pedido de patente para um novo modo de fabrico do produto. A candidatura a patenteação, posteriormente concedida na Europa, EUA e Austrália, revelou que uma estirpe de bactéria Actinoplanes sp. - SE 50 - possuia genes únicos que permitiam a biossíntese da acarbose em digestor. [10] A estirpe é originária do Lago Ruiru, no Quênia.
O Quénia é bastante desafiado a cumprir as obrigações em facultar cuidados médicos aos seus 39 milhões de habitantes. No ano financeiro de 2010/2011, foram atribuídos ao Ministério da Saúde do Quénia apenas 7,33 dólares americanos por pessoa. No entanto, não existe prova de um acordo para a partilha de benefícios entre a Bayer e o povo queniano, relacionada com este micróbio extremamente valioso.
No início da década de 70, uma amostra de streptomyces, recolhida por Expedição de Investigação Médica Canadense na Ilha de Páscoa (Rapa Nui), resultou num medicamento imunossupressor, denominado rapamicina, usado na medicina para prevenir a rejeição de transplantes. A descoberta da rapamicina desencadeou a procura de outros streptomyces que produz compostos semelhantes.
A SmithKline Beecham (agora Glaxo SmithKline) reivindicou a propriedade sobre um composto de uma estirpe da streptomyces que, de acordo com a patente, "foi retirado e isolado de um morro de térmitas em Abuke, Gâmbia”. [11] A estirpe produz um composto da rapamicina, chamado desmetilrapamicina 29 e, de acordo com a patente, é tão útil enquanto anti-fúngico, como enquanto imunossupressor. Não é claro que pesquisa e desenvolvimentos tenham sido realizadas pela Glaxo no que diz respeito à desmetilrapamicina 29. O pedido de patenteação, feito em 2001, indica um interesse recente no medicamento. Geralmente, a rapamicina e os compostos derivados continuam a ser um assunto de interesse científico considerável. Contudo, não existe informação documentada sobre quaisquer acordos de partilha de benefícios entre a SmithKline Beecham e a Gâmbia, ou entre a Glaxo e Gâmbia.
Nos últimos tempos, a medicação contra a impotência tornou-se num dos grandes sucessos da farmacêutica. Em 2004, as vendas mundiais de Viagra e de outras prescrições para a disfunção eréctil (DE) superaram os 2,5 bilhões de dólares americanos. Mas, segundo o New York Times, as vendas caíram nos últimos anos. Uma das principais razões, segundo o Times, é o sentimento de dúvida do consumidor em relação às farmacêuticas. "Muitos pacientes [estão] revoltados devido aos preços dos medicamentos e preocupados pelo facto das empresas estarem a minimizar os efeitos secundários..." [12].
Entra a Option Biotech, Canadá. A empresa, sediada em Montreal, patenteou as sementes de Aframomum stipulatum, recolhidas no Congo, para uso num medicamento contra a impotência a que chama “Biovigora”. [13] A Option Biotech tentou extensivamente explorar as suspeitas dos efeitos secundários sobre o Viagra divulgados pelo New York Times, afirmando que, "o Biovigora não é um medicamento químico” e acrescentado que "era usado há séculos [e ainda é] por certas tribos africanas sem registo efeitos secundários desfavoráveis." [Sic] [14]
Ao passo que o Biovigora poderá nunca ser um rival do Viagra, de Cialis e de outros medicamentos para a Disfunção Eréctil ultra-rentáveis, é propriedade patenteada da Option Biotech, vendido em mais de 750 lojas por todo o Canadá. Um frasco de 24 cápsulas custa cerca de 30 dólares americanos. Informação disponibilizada pela Option Biotech não evidencia nenhum acordo na partilha de benefícios com o Congo ou qualquer outro país onde a A. stipulatum é tradicionalmente utilizada.
CONCLUSÃO
As tecnologias genéticas movem o conhecimento do domínio público para o privado. Portanto, uma quantidade crescente de know-how, que estivesse disponível gratuitamente para uma novas inovações e desenvolvimento de produtos, estaria também indisponível, se as fossem concedidas licenças exclusivas forem concedidas ou até compradas. Ao passo que estas mudanças afectam a investigação e o desenvolvimento em todos os países, são os países africanos que sofrem mais, por quatro razões. Primeiro, situados na periferia de redes pesquisa e desenvolvimento, têm fracas hipóteses de obter licenças exclusivas em primeiro lugar.
Em segundo lugar, as empresas transnacionais entraram na chamada “economia do conhecimento”, através da criação não só de um vasto leque de patentes para a venda e troca de licenças, como também de monopólios de conhecimento e de redes cruzadas de licenciamento, nas quais as indústrias emergentes em África dificilmente podem participar. Em terceiro lugar, ao passo que a identificação e a compra das licenças necessárias são difíceis e dispendiosas para qualquer actividade, os países africanos têm um obstáculo muito peculiar pois não dispõem dos mesmos recursos informativos e financeiros. Por último, os custos crescentes de registo de patentes e formalidades necessárias para o desenvolvimento de novos produtos colocam barreiras cada vez maiores a qualquer pesquisa e desenvolvimento nos países mais empobrecidos.
Uma das maiores preocupações das comunidades africanas é a apropriação de elementos deste conhecimento colectivo das sociedades, fazendo dele conhecimento patenteado para o lucro comercial de um grupo restrito. É necessária uma acção urgente para garantir a protecção destes sistemas de conhecimento frágeis, através de políticas nacionais e acordos internacionais relacionados com os DPI. O mundo desenvolvido não quer saber do assunto.
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NOTAS
[1] ABARE, Australian Commodity Statistics, 2008
[2] Ibid.
[3] A biodiversidade agrícola compreende a diversidade dos recursos genéticos, variedades, raças, espécies e sub-espécies de culturas, pecuária, silvicultura, pescas e microrganismos utilizados para a alimentação, forragem, fibra, combustível e produtos farmacêuticos. A biodiversidade agrícola resulta da interacção entre o meio ambiente, recursos genéticos e os sistemas de gestão dos recursos da terra e da água e práticas usadas por povos culturalmente diversos, para a produção de alimentos.
[4] http://www.grain.org/briefings/?id=3#ref
[5] Ibid.
[6] Ibid.
[7] Ibid.
[8] J Bacteriol. 2001 Agosto; 183(15): 4484–4492 4484–4492 .
[9] Bayer 2004 Relatório Anual, URL:http://www.bayer.com/annualreport_2004_id0109/
[10] US Patent 5,753,501, EP0730029 (B1), e AU706116 (B2).
[11] US Patent 6,358.969, emitida a 19 de Março 2002. Também patenteada na Europa (EP0572454) e Japão (JP2001226380).
[12] New York Times, Dezembro 5, 2005.
[13] US Patent 5,879,682, emitida a 9 de Março 1999.
[14] Ver “Is Biovigora safe?”, no site Option Biotech, URL,http://www.optionbiotech.com/en/securitaire.htm
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*Oduor Ong’wen é o diretor no Quênia, SEATINI – Southern and Eastern African Trade Information and Negotiation Institute.
**Artigo traduzido por voluntário do programa E-volunteers da UNU, do qual o Pambazuka faz parte.
*** Envie os comentários para [email protected] ou comente on-line em Pambazuka News, por favor.
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