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Com a Revolução dos Cravos em Portugal, a 25 de Abril de 1974, abre-se uma página na história daquela potência colonizadora e das suas então colónias. Angola entra num processo de descolonização que lhe leva à independência a 11 de Novembro de 1975. Durante este processo de transição, vários foram os espaços experimentados de participação dos angolanos. Surgiram comissões por todos os lugares: Comissões de moradores, comissões de estudantes e comissões de trabalhadores. A expectativa pela construção da democracia era patente por todo o lado. As pessoas manifestavam-se nas ruas e as greves iam arrebentando um pouco por todo o país. As palavras de ordem misturavam-se entre as vindas da revolução portuguesa e as vindas com os diferentes movimentos de libertação (FNLA, MPLA e UNITA). Novos partidos foram surgindo, alguns com aparente legado histórico e outros, meras criações do novo momento. Campanhas voluntárias emergiam com espírito revolucionário: colheita do café, algodão e abacaxi, descarga de barcos, vacinação e distribuição de leite, até à alfabetização

Este cenário de esperança e expectativa não durou muito tempo. Os movimentos de libertação faziam desfilar pelas cidades os seus exércitos. As provocações de grupos radicais de direita anti independência foram alargando o pânico quer nos musseques quer nos centros das cidades. Em breve se fizeram sentir bem alto os gritos de ódio e o pânico rapidamente se espalhou. Obviamente que houve uma mãozinha de fora na criação deste panorama. Angola transformava-se no palco mais real e cruel da guerra-fria.

A maioria dos portugueses, descendentes de portugueses e muitos angolanos, em breve arrumaram as malas e encheram as pontes aéreas em direcção a Portugal. Os principais portos (como o do Lobito e de Luanda) encheram-se de caixas, caixinhas e caixotes, carros, geleiras e malas. Tudo aquilo que as pessoas pretendiam levar consigo.

Os conflitos armados entre as forças militares dos diferentes movimentos de libertação, foram marcando as páginas dos acontecimentos de todas as cidades, vilas e aldeias. Pequenas tréguas eram então surgidas de negociações demoradas. O exército português não intervinha.

A poucos dias da independência, Angola é invadida, a sul pelo exército da República da Africa do Sul e a norte, pelo exército da República do Zaire (actual Congo Democrático). Os confrontos militares adoptam outra forma. O MPLA resiste apenas em Luanda e entra o exército cubano.

Enquanto Agostinho Neto, representando o MPLA proclama em Luanda a independência de Angola e a constituição da República Popular de Angola, Jonas Savimbi pela UNITA, proclama em Nova Lisboa (actual Huambo) a constituição da República Democrática de Angola.

Com o avanço do MPLA e da tropa cubana, a UNITA foi abandonando todos os centros urbanos e manteve-se nas matas. Instaura-se um sistema político e económico denominado socialista. O controlo do estado em todas as esferas, a centralização do poder e a partidarização da esfera pública, através do amedrontamento sempre presente da polícia secreta, liquidou toda a iniciativa da sociedade civil.
Os acordos tripartidos foram assinados e os exércitos sul-africano e cubano abandonam o país. O país vai-se continuando a afundar numa economia incontrolada. As condições propiciam a uma nova tentativa. Chega 1991 e o governo (MPLA) e a guerrilha (UNITA) assinam o cessar-fogo. A Lei Constitucional do país é revista e permite o pluri partidarismo, a economia de mercado e as liberdades individuais. A sociedade organiza-se e surgem as associações.

O povo reage eufórico perante a esperança que se abre. Mas o erro do passado não é revisto. Mantêm-se os dois exércitos sob o olhar das Nações Unidas e dos observadores internacionais. As tenções aumentam nos discursos propagandísticos da campanha eleitoral. A sociedade civil é fraca e sem experiência. Fica ausente! Em Setembro de 1992 realizam-se as primeiras eleições em Angola. A população acorre em massa e pacificamente. Demonstra ao mundo a sua sede de pertencer de uma vez por todas ao mundo das nações livres e democráticas. Desfraldam-lhes os seus sonhos imediatos. A guerra reinicia e espalha-se por todo o país.

Passam-se mais dez anos de guerra. As associações que surgem intervêm mais na emergência e ajuda humanitária. Vão ganhando espaço e experiência. Vão levantando a voz e ocupando o espaço político com propostas e reivindicações. Depois do assassinado do líder da UNITA, Jonas Savimbi, a guerra termina assinam-se mais uma vez acordos de Paz. Estamos em 2002.

ANGOLA, 33 ANOS DEPOIS, realiza as suas segundas eleições legislativas, a 5 de Setembro de 2008. O processo é diferente. Apenas há um exército. A Sociedade Civil pode participar de forma directa e activa.

O país apresenta um dos maiores índices de crescimento económico do mundo, baseando a sua economia exclusivamente na produção de petroleo. Transforma-se num “canteiro de obras” (slogan do presidente da República, do governo e do MPLA). Os mídia públicos são monopolizados pelo governo e pelo MPLA. A imprensa privada apodera-se de discurso sensacionalista e muitas vezes pressionada pelo estado. Os partidos da oposição são frágeis, fracos e divididos. Não oferecem qualquer alternativa, muitas vezes manchados de escândalos. O presidente da República envolve-se directamente na campanha eleitoral do MPLA. Candidata-se também a deputado encabeçando a lista do MPLA.

ANGOLA, 33 ANOS DEPOIS continua a apresentar os piores índices de desenvolvimento humano do mundo contrastando com os índices de crescimento económico. A corrupção e o clientelismo arrasam em todo o espaço. Enquanto condomínios de luxo ocupam terrenos desalojando milhares de angolanos, milhares de crianças morrem com malária, tuberculose e doenças diarreicas. Os espaços públicos como jardins são transformados em infraestruturas privadas para a elite.

Mas a sociedade civil adere ao processo eleitoral desde o seu início, desenvolvendo campanhas de educação cívica eleitoral. Produz material informativo, promove debates, discute leis. Confirma o seu verdadeiro espaço e é reconhecido definitivamente pelo poder instituído. Transforma-se também em observador das eleições. O grande objectivo é que se instaure definitivamente o processo de elegibilidade dos poderes do estado, a eliminação do fantasma da guerra ligado às eleições, a participação da sociedade civil e a descentralização do poder.

ANGOLA, 33 ANOS DEPOIS vai às urnas. O povo aflui em massa, ainda de madrugada. De forma pacífica, cívica e responsável, voltou a dizer que não quer mais guerra.

ANGOLA, 33 ANOS DEPOIS volta a acreditar que o processo de rotatividade do poder está em marcha. Independentemente dos resultados dos partidos políticos saídos das urnas, ganhou o povo angolano na defesa da Paz e da Democracia.

*José Patricínio é angolano e coordenador da Ong Associação Omunga, sede em Lobito, Benguela