Eu acho que!
As atribulações que o nosso processo de transição atravessa, no momento em que escrevo estas linhas, têm todas as características de um impasse ditado por agendas e estratégias partidárias e outras, provenientes das mais variadas origens. Estas controversas seriam e são sempre salutares em qualquer democracia que se preze. Porém, a especificidade do nosso caso requer uma procura de soluções mais abrangentes
As atribulações que o nosso processo de transição atravessa, no momento em que escrevo estas linhas, têm todas as características de um impasse ditado por agendas e estratégias partidárias e outras, provenientes das mais variadas origens. Estas controversas seriam e são sempre salutares em qualquer democracia que se preze. Porém, a especificidade do nosso caso requer uma procura de soluções mais abrangentes.
E por especificidade, entenda-se, recorrentes instabilidades que não permitiram que até aqui, nenhum governo ou Presidente da nossa era democrática terminassem o seu mandato. Ou seja, por razões sobre as quais vale a pena debruçarmos, as fórmulas democráticas experimentadas noutras latitudes nunca funcionaram corretamente entre nós. E por isso, diria até, que comportamentos mais consentâneos com sentimentos patrióticos e nacionalistas deveriam ser a tónica do presente momento, a fim de salvarmos a nossa independência nacional, ou o que ainda dela resta. Senão vejamos!
No nosso caso, e dado o agudizar no dia-a-dia dos problemas da grave crise política que o país atravessa, não podemos e nem devemos ater-nos apenas, e só, aos princípios da legalidade democrática, e a outros, nomeadamente, os que enquadram os sentimentos das mais variadas sensibilidades que nos animam. Desde logo, pela atipicidade do momento, e também porque estamos condenados a resolver os problemas dela resultante com a participação de todos, porque só desse modo, poderá daí resultar uma decisão abrangente e inclusiva, e naturalmente a contento de todos.
Mau grado a opinião generalizada de que todos juntos seremos poucos para as soluções que se impõem, existe opinião, também ela respeitável, ainda que minoritária, que continua a acreditar estar apoiada na legitimidade, diga-se mitigada, de que a Assembleia Nacional Popular é o único órgão de soberania poupado pelo golpe de estado de 12 de abril, e como tal, em sua opinião, ainda assim, reúne toda a legitimidade e exclusividade para comandar os destinos desta transição. Nada mais enganoso.
Sem no entanto sequer assumir o pretensiosismo de retirar à Assembleia Nacional Popular qualquer prerrogativa, é, contudo, necessário e exigível levar à consideração geral, algumas precisões. As atuais autoridades de transição são todas oriundas, ou pelo menos, foram todas elas legitimadas por instrumentos jurídicos alcançados na base de árduas negociações de compromisso entre a maioria dos partidos políticos legalmente constituídos, e a comunidade internacional, por via da CEDEAO. E salvo novas derrogações, o Acordo Político e o Pacto de Transição vão perdurar até ao retorno à normalidade constitucional, logo terão que fazer também parte do arsenal jurídico de que o parlamento se deve socorrer até ao fim da transição.
Passados que foram oito meses, o partido que sustentava a governação antes do golpe, numa atitude de pura demagogia, passou, num primeiro momento, da fase de autoexclusão, em evidente manifestação de letargia traumática, aliás, compreensível, para, num segundo momento, assinar taticamente os dois instrumentos jurídicos que regem a transição. Uma típica reação de mau perdedor, mesmo sabendo, de antemão, que nenhum dos articulados nos referidos instrumentos satisfazia os seus interesses inconfessos.
Afinal, com este acto pretendia-se apenas dissimular as reais pretensões de tentar derrubar o atual governo de transição, e quiçá também o Presidente da República. Porque num cenário de remodelação de um governo com estas características, as intenções da tese de acomodação da fação clientelista do PAIGC não colhem. Por isso, num esforço conjugado, e com a ajudinha do atual Presidente do parlamento, a estratégia dessa fação, que cremos comandada e financiada do exterior, começa a materializar-se.
A primeira, numa frente que consiste em ignorar as disposições da transição que ainda derrogam algumas disposições constitucionais, nomeadamente, no que diz respeito à larga consensualidade prévia que se deve respeitar entre os signatários do Acordo Político e do Pacto de Transição antes da sua adoção parlamentar. Daí, o finca-pé dessa fação do PAIGC em defender a alegada revisão parlamentar dos instrumentos de transição, sem acordo prévio dos seus signatários, em flagrante violação do espírito de algumas normas aí inseridas.
A segunda parte da estratégia, assistimo-la agora, com os últimos e lamentáveis acontecimentos oriundos da Assembleia Nacional Popular. Desta feita, protagonizados pelo seu Presidente, que até já se esqueceu, que afinal só é Presidente da ANP graças à Transição, que sob o pretexto de que uma vez que o Governo de Transição ainda não apresentou, nem o seu Programa, e nem a proposta de Lei do Orçamento Geral do Estado, deve ser demitido.
Um comportamento estranho, que voluntariamente ignora as regras de transição, e curiosamente acontece, numa altura em que, cumulativamente, a personalidade em causa, também exercia interinamente as funções de Presidente da República, portanto de árbitro, num claro desrespeito pelo atual detentor do cargo entretanto ausente no estrangeiro, que como todos sabem tem no diálogo a sua arma mais poderosa.
É claro que a continuarmos neste ritmo, vai ser preciso muito tempo até que se restabeleça a ordem constitucional. Porém, nada acontece por acaso. Esta manigância obedece simplesmente uma finalidade bem identificada: ou seja, a de, por um lado, obstaculizar a regra da consensualidade que deve prevalecer entre os atores políticos e sociais na construção da pedra basilar do consistente edifício pós-transição, e por outro lado, na impossibilidade mais que desejado e plausível deste entendimento, que todas as soluções dos problemas guineenses sejam impostas do exterior.
Assim o entendem as autoridades depostas e os seus amigos estrangeiros da CPLP, dos governos de Portugal, de Angola e de Cabo Verde, que num esforço derradeiro ainda continuam a criar ilusões aos seus acólitos internamente, através da transferência de fundos para financiar alegados factos políticos que mais não visam do que criar agitações de vez em quando, aqui e acolá, nomeadamente, por alturas em que se reúnem cimeiras internacionais para se pronunciarem sobre a transição.
Os casos do quiproquó da última assembleia geral das Nações Unidas, o ataque falhado ao aquartelamento de 21 de outubro passado, e agora este ataque mediático cerrado contido num libelo acusatório despropositado contra o governo, que reúne mais ingredientes de chantagem do que debate de ideias, para criar agitação, certamente não estarão longe da lógica maquiavelista da Quinta coluna interessada em justificar um falhanço da CEDEAO.
E esta atitude antipatriótica e antinacionalista só podem ter origem nas mentes ligadas ao eixo do mal que compreende os governos de Portugal, Angola e Cabo Verde que não desarmam, e que por força da corrupção e de alguma iliteracia ainda reinante, em algumas esferas das nossas administrações pública e política, vão ganhando alguma permeabilidade para instalar a confusão e mal-estar nas nossas hostes sociais a fim de criar instabilidade.
Outro exemplo de que nada acontece por mero acaso, é o caso das repetidas greves nos setores sociais da educação e da saúde por manifesta falta de vontade e de má-fé. Porque apesar de correntemente não se dever um único tostão a nenhum professor e da total disponibilidade da administração em continuar à mesa das negociações, existe uma recusa sindical radical e incompreensível em tudo fazer para comprometer o ano letivo. Naturalmente que a mensagem que se está a transmitir, apesar do envolvimento responsável da associação de pais neste processo, é essencialmente de ordem política. Porque é exatamente o que se pode ler quando o sindicato exige a demissão do governo.
Cabe a todos nós guineenses assumir cada um o seu grau de responsabilidade perante mais uma iminente ameaça de agudizar de crise, com consequências ainda por medir. Cabe essencialmente à classe política, toda ela, sem considerandos e sem preconceitos de partidos pequenos ou partidos grandes, com e sem assento parlamentar, porque só juntos poderemos tirar o país do lamaçal em que se encontra. E em que por sinal a culpa é de todos.
A propósito de grandes partidos, impõe-se uma pergunta: Onde é que eles estavam quando a desgraça nos bateu à porta?
Porque se outrora, os partidos grandes e pequenos se juntaram para serem úteis à causa democrática, em marchas e protestos, por maioria de razão, num momento ainda mais crítico, juntos, ainda serão mais úteis à causa nacional.
Bem-haja!
Até daqui a quinze dias!
*Victor Gomes Pereira contribui com este artigo em Didinho.org, março 2013.
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