O anterior Governo de Moçambique violou a Constituição quando avalizou a dívida contraída pela Empresa Moçambicana de Atum (EMATUM), junto de um banco suíço e outro russo. Na semana finda o Executivo de Filipe Nyusi, que até hoje não se pronunciou sobre a dívida que o seu antecessor contraiu violando a Lei Orçamental de 2013, assumiu oficialmente o prejuízo ratificando o acordo de reversão dos títulos da dívida comercial em divida soberana do Estado.
Também violam o artigo 179 da “Lei Mãe” os empréstimos contraídos pela empresa estatal Proindicus SA. “Observa-se que o Governo, sem a devida autorização, emitiu avales e garantias” sentenciou o Tribunal Administrativo(TA), porém a Procuradoria Geral da República(PGR) não processa os responsáveis e o Conselho Constitucional permanece em silêncio.
De acordo com a alínea p) do artigo 179 da Constituição da República compete à Assembleia da República “autorizar o Governo, definindo as condições gerais, a contrair ou a conceder empréstimos, a realizar outras operações de crédito, por período superior a um exercício económico e a estabelecer o limite máximo dos avales a conceder pelo Estado”, como são os casos dos empréstimos da EMATUM e da Proindicus.
O Tribunal que fiscaliza as contas do Estado, no seu parecer sobre a Conta Geral do Estado (CGE) de 2013, constatou que na “CGE de 2013 não consta qualquer informação dos avales e garantias concedidos pelo Estado, cujo limite foi fixado em 183.500 mil meticais(pouco mais de 5,5 milhões de dólares norte-americanos ao câmbio da altura) para os avales e garantias do Estado, pelo artigo 11 da Lei n.º 1/2013, de 7 de Janeiro, que aprova o Orçamento do Estado de 2013”.
Ademais, “Fixando a Lei Orçamental, como referido atrás, o valor limite para a emissão de garantias e avales, por parte do Governo, em 183.500 mil meticais (pouco mais de 6,5 milhões de dólares norte-americanos ao câmbio da altura), observa-se que o Governo, sem a devida autorização, emitiu avales e garantias no valor total de 28.346.620 mil meticais”, que correspondem a soma dos dois empréstimos contraídos pela EMATUM (um de 500 milhões do banco Credit Suisse, da Suíça, e outro de 350 milhões de dólares norte-americanos pedido ao Vnesh Torg Bank, da Rússia).
Ambos empréstimos ultrapassam o limite fixado através da Lei Orçamental de 2013 mas nem por isso o Executivo de Guebuza submeteu-os à apreciação e aprovação da Assembleia da República(AR), onde a bancada do partido do Governo até tinha os votos necessários para os aprovar.
Ainda em 2013 o Executivo de Armando Guebuza assentiu que outra empresa estatal, a Proindicus SA, contraísse outros empréstimos que ultrapassaram em cerca de cem vezes o limite fixado pela Lei nº1/2013, totalizam pelo menos 622 milhões de dólares norte-americanos, de acordo com o The Wall Street Journal, os empréstimos concedidos pelos bancos Credit Suisse e Vnesh Torg Bank, os mesmos que emprestaram dinheiro à EMATUM.
Apesar do parecer negativo do TA, os avales e garantias ilegais não foram as únicas irregularidades detectadas na Conta Geral do Estado de 2013, a bancada maioritária do partido Frelimo no Parlamento aprovou-a sem contestar.
A Procuradoria Geral da República em nenhum momento anunciou estar a investigar a emissão ilegal dos avales e garantias pelo Governo. Entretanto, em Dezembro de 2015, a bancada do partido Frelimo na AR invocou uma alegada investigação da PGR em curso para barrar uma comissão de inquérito parlamentar à EMATUM, solicitada pelo partido Renamo.
Embora a Constituição da República de Moçambique defina o Conselho Constitucional como órgão ao qual compete administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional a instituição dirigida por Hermenegildo Maria Cepeda Gamito permanece em silêncio perante a violação da “Lei Mãe”.
Além da emissão ilegal dos avales e garantias, que viola a Constituição, a PGR deveria também investigar de que forma foram gastos estes 1,47 bilião de dólares norte-americanos que não entraram, nem passaram, na Conta Única do Tesouro que é para onde devem ser canalizados todos os recursos públicos, arrecadados internamente ou no exterior.
“Se você tem uma dívida pequena, você tem um problema, mas se a dívida for grande, o credor é que tem um problema”
Após a sessão do Conselho de Ministros da semana passada o Executivo de Nyusi tornou público que havia assumido como dívida soberana de todos os moçambicanos a totalidade da dívida comercial contraída pela Empresa Moçambicana de Atum, após renegociar com os investidores os prazos de pagamento. Em Setembro o Governo já havia pago a primeira prestação, no valor de 105 milhões de dólares norte-americanos com fundos do erário.
“Ao assumir a reversão da dívida, o período de amortização passa de cinco para sete anos, mais dois anos, ao invés de pagamento de 200 milhões de dólares norte-americanos por ano passa-se a pagar 76 milhões por ano, mas em duas tranches semestrais, num montante de 38 milhões”, afirmou Mouzinho Saíde o porta-voz do Conselho de Ministros que no entanto não detalhou que de vantajoso o negócio teve apenas o facto de Moçambique adiar o pagamento das dívidas.
Ficou por revelar que as taxas de juros ficaram mais altas, passaram de 6,305% para 10,5%, o que quer dizer que o montante final a pagar será mais alto do que o inicialmente assumido. Além disso, com esta renegociação, o Governo de Filipe Nyusi assumiu o que era previsível, o Estado é incapaz de honrar os seus compromissos com os credores.
O professor de economia António Francisco explicou ao @Verdade que “o tipo de renegociação da dívida da EMATUM solicitada pelo Governo Moçambicano corresponde ao que no jargão financeiro se chama “haircut” (corte de cabelo, numa tradução literal); ou seja, desconto ou algum tipo de perdão que envolve alguma perda de capital e/ou juros, dependendo dos termos da renegociação da dívida. Pelo que indica a informação divulgada sobre esta renegociação os credores aceitaram reagendar ou adiar o pagamento da dívida, antes de mais nada porque perceberam que a alternativa era simplesmente declarar a falência e não receberem nada. Portanto, o mais provável é que não tinham outra alternativa”.
“Costuma-se dizer: se você tem uma dívida pequena, você tem um problema; mas se a dívida for grande, o credor é que tem um problema. Se o devedor declara que é incapaz de pagar a dívida, o que fazer? Assim, se os credores da EMATUM aceitaram renegociar a dívida, aceitam perder parte do valor das obrigações que detêm. Mas do lado do devedor, significa que poderá beneficiar de uma redução dos encargos com os juros, ou mesmo redução da dívida. Como estamos a perceber, o Governo está a fazer tudo por tudo por passar o encargo para os contribuintes, mas como fez no passado, nas duas anteriores falências, o mais provável é que tente ganhar tempo para que eventualmente a dívida seja esquecida”, acrescentou o economista entrevistado pelo @Verdade.
A agência notação financeira Standard & Poor's (S&P), que a 15 de Março havia baixado o rating de Moçambique para CC/C (colocando o nosso país como um devedor com capacidade totalmente vulnerável para cumprimento de negócios financeiros e com grandes probabilidades de incumprimento), rebaixou esse rating no início deste mês para a categoria SD. “A classificação SD significa que Moçambique passou a “default selectivo”; ou seja a S&P está convencida que Moçambique não conseguirá pagar toda, ou grande parte da sua dívida”, esclarece o professor de economia.
“O FMI é um dos principais responsáveis pelo delírio financeiro em que Moçambique embarcou”
Entretanto António Francisco, que é também investigador e coordenador do Grupo de Investigação sobre a Pobreza e Protecção Social no Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), clarifica que “o facto de Moçambique estar no limite de maior risco, não significa que seja mau para todos. Porque é o nível de maior risco, também permite maior rendibilidade. Portanto, algumas empresas podem render muito, razão pela qual os credores tudo farão para que não percam tudo o que emprestaram”.
Questionado pelo @Verdade se as medidas anunciadas pelo Governo vão ajudar a sair da crise e o rating a subir o professor é pouco optimista. “Quem pode acreditar nas medidas do Governo como opção para inverter uma verdadeira cambalhota financeira? Muito menos agora, quando acabamos de tomar conhecimento que além dos 850 milhões de dólares da EMATUM, ainda existe a dívida da Proindicus, no valor de mais de 622 milhões. Será esta última surpresa? Não sei. Perante isto, o que acho pertinente dizer é temos que aguardar com serenidade e ver se a factura fica por aqui”, declara.
“Quanto a sair da crise, o que posso dizer é que a minha expectativa, no ano passado, que uma nova quase-falência aconteceria até 2020, começa a mostrar-me que eu estava a ser demasiado optimista. Ora, a classificação de “default selectivo” por parte da S&P é uma clara indicação de quase-falência. Fico curioso em saber como será a avaliação do FMI, nos próximos dois ou três meses”, acrescenta o economista que compara o Fundo Monetário Internacional (FMI) à “santa casa da misericórdia” do Estado Moçambicano. “Contrariamente ao que o meu colega João Mosca disse, num artigo intitulado “Futseka FMI”, mais um vez o Estado Moçambicano vai ser o primeiro a dizer: “Fica FMI!”. E é bom que fique. O FMI é um dos principais responsáveis pelo delírio financeiro em que Moçambique embarcou e pela cambalhota que está a acontecer”, conclui António Francisco.
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