Sobre cotas e democracia no Brasil

O Brasil para por um momento delicado internamente no que concerne o debate sobre ações afirmativas no país. Após Durban, tomou-se como missão a ser adotada em toda diáspora, medidas reparativas para uma inserção positiva dos negros nas sociedades em que se encontram. Nesse sentido, as políticas de ações afirmativas no Brasil integra parte dessa dificultosa e contraditória missão. Neste artigo, Edson Santos, argumenta porque a sociedade brasileira deve se engajar ativamente neste debate tendo como pano de fundo maior acesso à educação da população negra brasileira.

Em sintonia com o espírito democrático de nosso tempo, o Supremo Tribunal Federal convocou audiência pública para ouvir a sociedade sobre as políticas de ação afirmativa e as cotas raciais nas universidades públicas. Através do diálogo profundo e transparente, o Supremo aponta o caminho que vai seguir para julgar as ações que contestam a promoção da igualdade racial no ensino superior.

O atual governo ampliou de forma generalizada o acesso à educação. E as instituições públicas de ensino superior, a partir de sua autonomia,aplicam há quase uma década as políticas de cotas raciais. Medida que aumentou o número de alunos negros nos cursos de graduação e vem democratizando o sistema público de educação brasileiro, que sempre reservou o melhor de seus
recursos materiais e imateriais para o segmento hegemônico da população em termos econômicos e políticos.

As cotas se inserem num contexto de reparação. Após a Abolição, os negros não receberam terras nas quais pudessem produzir e não tiveram acesso a serviços fundamentais como saúde e educação, fatores fundamentais para a conquista da cidadania. Desta forma, continuaram cativos da ignorância, sem perspectiva de ascensão econômica e social. Eis a origem do imenso abismo que segrega a população negra do restante da sociedade em termos de oportunidades.

O princípio da igualdade perante a lei foi durante muito tempo considerado a garantia da liberdade. Sua importância é inquestionável. No entanto, não é suficiente que o Estado se abstenha de praticar a discriminação. Pois cabe a ele criar condições que permitam a todos a igualdade de oportunidades. Para tanto, é preciso elevar os desfavorecidos ao mesmo patamar de partida dos demais, tratando de forma desigual os desiguais, como defendia o filósofo
Aristóteles.

Esta tese pode ser comprovada em números. Mesmo a melhora generalizada no ensino superior brasileiro nas últimas décadas não foi suficiente para acabar com a desigualdade educacional histórica. Atualmente, há mais brasileiros frequentando as escolas e houve um aumento nos anos de escolaridade de todos os segmentos. Ainda assim, de acordo com dados do
Ministério da Educação, a distância de dois anos na média de escolaridade entre negros e brancos permanece intocada nos últimos 20anos. Neste sentido, não resta dúvida de que a adoção do sistema de cotas contribuirá para uma sociedade mais igualitária.

Os resultados até agora alcançados pelas cotas são animadores. Estudo realizado junto às instituições que adotaram o sistema demonstra que o coeficiente de rendimento médio dos alunos cotistas é tão bom quanto o dos demais. Uma explicação é o fato de os cotistas serem, na maioria dos casos, os primeiros de suas famílias ou comunidades a conseguir ingressar na
universidade. Motivados, agarram a oportunidade com força e vontade.

As cotas funcionam como um mecanismo de equalização de oportunidades, proporcionando a abertura das portas das universidades para um contingente expressivo de alunos que, de outra forma, não teria acesso ao ensino superior. Nos últimos oito anos, 52 mil alunos negros foram beneficiados.

Este exemplo positivo se dissemina entre as principais universidades do país, o que possibilitará a ampliação das oportunidades para um grupo ainda maior de estudantes, sinalizando que, apesar do esperneio de setores minoritários, a caravana da igualdade racial avança.

*Edson Santos é Ministro da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) do Brasil
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