Prisão dos Revús Já é Ilegal por Despacho do Tribunal Constitucional
Se o juiz Januário Domingos não ordenar a libertação dos 17 activistas, está ele próprio a cometer um crime de denegação de justiça e prisão ilegal, e deve ser sujeito a procedimento criminal por parte do Ministério Público, o garante da legalidade nos termos constitucionais.
Domingos da Cruz, condenado a oito anos e meio de cadeia por ter adaptado um manual sobre não-violência à realidade angolana, bem como todos os outros condenados a prisão efectiva por terem discutido o mesmo manual estão presos ilegalmente desde o dia 18 de Abril de 2016.
Nesta data, o juiz presidente em exercício no Tribunal Constitucional de Angola admitiu, nos termos da lei, o recurso ordinário de inconstitucionalidade apresentado pelos advogados de Domingos da Cruz e dos outros 16, conferindo efeito suspensivo à condenação.
Efeito suspensivo quer dizer, como a expressão indica, que suspende os efeitos da decisão, ou seja, que esta não pode ser executada.
Assim, se 17 pessoas foram condenadas a prisão e se há um recurso com efeito suspensivo dessa decisão, então essas 17 pessoas não podem ser detidas ou permanecer detidas após a suspensão da condenação.
Se o juiz Januário Domingos não ordenar a libertação dos 17 activistas, está ele próprio a cometer um crime de denegação de justiça e prisão ilegal, e deve ser sujeito a procedimento criminal por parte do Ministério Público, o garante da legalidade nos termos constitucionais.
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No dia 18 de Abril de 2016, o Tribunal Constitucional, por despacho do juiz presidente em exercício, decidiu admitir a reclamação apresentada pelos advogados do processo n.º 505-B/2015 (denominado “Revús” ou “15+2”) quanto à omissão de pronúncia do juiz de primeira instância sobre a admissibilidade de um Recurso Ordinário de Inconstitucionalidade que tinham interposto relativamente à sentença que os tinha condenado (cf. números 3, 4 e 5a) do despacho).
No mesmo despacho, além de admitir a reclamação, o Tribunal, de forma clara e explícita, admitiu também o Recurso Ordinário de Inconstitucionalidade, determinando o efeito suspensivo da condenação e a subida nos próprios autos por força do artigo 44.º da lei 3/08, de 17 de Junho (considerando também as alterações da lei n.º 25/10, de 3 de Dezembro, que não afectam o caso presente).
Esta decisão tem automaticamente várias consequências. A principal delas é a imediata libertação dos presos, por efeito da suspensão da sentença de condenação que é objecto do recurso. Vejamos as razões.
Como se referiu acima, o Recurso Ordinário de Inconstitucionalidade tem efeito suspensivo. A lei prescreve tal efeito e a doutrina sobre a Constituição angolana é clara (cf. Machado, Costa e Hilário, 2013, ou Bacelar Gouveia, 2014).
Em português jurídico, efeito suspensivo, aplicado ao recurso de uma sentença, quer dizer que a execução da sentença fica suspensa até ao seu julgamento final, impossibilitando a concretização dessa decisão, mesmo que provisória, até decisão final do recurso (cf. art.º 44.º da Lei de Processo do Tribunal Constitucional, ou art.º 658.º do Código do Processo Penal de Angola, por exemplo). Portanto, se os condenados em primeira instância neste processo foram conduzidos à prisão em resultado da sentença do juiz de primeira instância, Januário Domingos, a partir do momento em que o Tribunal Constitucional declara o efeito suspensivo relativamente ao Recurso Ordinário de Inconstitucionalidade atinente a essa sentença, ela deixa de poder ser executada. Logo, os presos têm de ser libertados. Caso contrário, a lei não estará a ser cumprida.
Como escreve Germano Marques da Silva, “efeito suspensivo do processo consiste no não prosseguimento do procedimento, a não ser no que diz respeito ao próprio recurso” (Marques da Silva, 2006, p. 343). E mais acrescenta o professor de Direito Processual Penal: “O efeito suspensivo do processo em razão da pendência de decisão condenatória significa que essa decisão não pode ser executada sem a prévia decisão do recurso” (Marques da Silva, 2006, p. 344, sublinhado nosso).
A propósito de uma questão semelhante no direito português, o juiz Paulo Pinto de Albuquerque, agora em exercício no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, escreve que “em nenhuma circunstância o preso preventivo entra em cumprimento de pena se for interposto recurso para o TC [Tribunal Constitucional] de fiscalização concreta da constitucionalidade” (Paulo Pinto de Albuquerque, 2011, p. 1073).
Também na doutrina brasileira prevalece o mesmo entendimento sobre o efeito suspensivo determinado por lei, entendido como impeditório de que a decisão correspondente possa produzir os seus efeitos, sejam eles executórios, declaratórios ou constitutivos (Ravi Peixoto, 2010).
Portanto, o objecto do Recurso Ordinário de Inconstitucionalidade é a apreciação sobre a decisão que tenha expressa ou implicitamente abordado um problema de inconstitucionalidade e que o tenha julgado ou não inconstitucional, e sendo assim essa decisão está suspensa.
Deste modo, o juiz Januário Domingos não pode, a partir da decisão de admissão do Tribunal Constitucional, dar execução à sentença que lavrou. Se o fizer, está a cometer uma enorme ilegalidade. Ou seja, é obrigatório libertar os 17 activistas ou aplicar, dentro dos prazos e condições estabelecidas pela Lei das Medidas Cautelares, uma medida de coacção. O que não pode, seguramente, é aplicar uma decisão que um Tribunal Superior, por força da lei, suspendeu.
Se porventura o juiz Januário Domingos não tomar tal medida e optar pelo incumprimento das determinações do Tribunal Constitucional, este mesmo juiz poderá incorrer na prática de crimes, designadamente o crime de denegação de justiça (artigo 286.º do Código Penal), prisão ilegal (artigo 291.º do CP), prisão formalmente ilegal (artigo 292.º do CP) e mesmo, eventualmente, abuso de poder (artigo 286.º do CP). Note-se que qualquer interessado poderá naturalmente denunciar ou queixar-se de qualquer destes crimes, levando a que, nos termos da lei, o Conselho Superior da Magistratura suspenda o juiz Januário Domingos se houver matéria suficiente para prosseguir com uma instrução preparatória. E o próprio Ministério Público tem o dever de levantar e investigar a questão.
Não se diga que a condenação já está executada a partir do momento em que o juiz Januário Domingos mandou conduzir os Revús à cadeia. Trata-se de uma execução continuada que, como é óbvio, tem de cessar a partir do momento em que fica suspensa.
Em suma, há que retirar os efeitos legais adequados do despacho da colenda conselheira do Tribunal Constitucional, Luzia Sebastião, e suspender a execução da sentença que condenou os Revús, até ser decidida a constitucionalidade normativa da mesma.
Referências:
ALBUQUERQUE, P.P. (2011), Comentário ao Código de Processo Penal, Lisboa: Universidade Católica Editora.
BACELAR GOUVEIA, J. (2014), Direito Constitucional de Angola, Luanda: IDILP.
GRANDÃO RAMOS, V. (2011), Código de Processo Penal, Luanda: Universidade Agostinho Neto.
MACHADO, J., COSTA, P. e HILÁRIO, E. (2013), Direito Constitucional Angolano, Coimbra: Coimbra Editora.
MARQUES DA SILVA, G. (2006), Curso de Processo Penal, III, Lisboa: Verbo.
PEIXOTO, R. (2010), Breves Considerações sobre os Efeitos dos Recursos. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n.º 74.