Cabinda, o Togo e o CAN ou outro «olhar» Cabinda
Costa Almeida, neste artigo traz uma outra contribuição ao debate sobre a questão de Cabinda no período pós-ataque a seleção do Togo. O autor discute o direito secessionista, mas também o desejo de manutenção na nação angolana, com isso, rebate as impressões imediatistas de louvar o ataque. Esclarece que há quem ganhe e muito com a continuidade do movimento separatista, bem como há quem perde com o mesmo. Fatores internos e externos estão presentes neste conflito que se alonga desde os anos de independência.
Passados que está uma semana após os trágicos acontecimentos ocorridos em Cabinda e que levaram à saída da selecção do Togo do CAN Orange-Angola 2010, pensamos que, com mais frieza e objectividade e menos empatias, embora legítimas, por algumas das partes, poderemos dar um outro contributo para o debate. Naturalmente, e por aqueles que conhecem o nosso percurso e pensamento, fomos incentivados a dar logo um contributo para o debate que se seguiu.
Consideramos que havia – e achamos que ainda há – muitas lacunas na questão que levou a ser mostrado o primeiro “cartão vermelho”, como afirma, e muito bem, Reginaldo “Wilson Dada” Silva no seu blogue “Morro da Maianga”, neste CAN.
Tal como admitimos que mais valia que certas individualidades pautassem pela parcimónia nas palavras que produzem como alerta e bem, Orlando Castro, na sua rubrica “Alto Hama” aqui reproduzida no Notícias Lusófonas.
Aceitar – e quase louvar – um ataque sanguinário contra inocentes que a única coisa que tiveram de “mal” foi terem conseguido, no campo, conquistar o direito a estar presentes num evento desportivo ou propalar aos altos ventos que o que se passa em Cabinda é única e de exclusiva responsabilidade do Governo angolano são factos que mostram a adopção do facilitismo. Ou seja, o assunto é deles e eles que se entendam.
Sê-lo-ia se na questão cabindense não estivessem presentes vários factores internos e externos.
Internos porque são problemas da província que não têm sido tomados em conta por incúria, inépcia ou, simplesmente, porque há quem esteja a ganhar com o problema secessionista sem que a verdade possa estar a chegar em devidas condições à sede nacional, ou seja, a Luanda.
Mais do que um problema de vontade independentista que possa perpassar por uma parte significativa, admitimos, da população cabindense, existe também uma parte não menos significativa que deseja manter-se angolana.
E não falamos de cor. Em Maio estivemos na província, nomeadamente na cidade de Cabinda onde foi possível auscultar, discretamente, algumas pessoas que sem condenarem as forças independentistas admitiam continuar angolanas. E isso é um factor que deve ser tomado em conta.
Mas não é perseguindo sem nexo, nem indiscriminadamente, todos os cabindenses só porque não comungam das mesmas ideias do Poder. Nem tão-pouco provocar a saída de padres que são, por norma, a “vox populi” e os porta-vozes da insatisfação local, regional ou nacional.
Se o Poder não deve olhar para as vozes independentistas somente como terroristas – convém olhar a História e, particularmente, a nossa História – também não é admissível actos como os que ocorreram no fim-de-semana passado.
Qualquer simpatia que a Comunidade Internacional pudesse ter pelos secessionistas essa foi claramente esmorecida e, talvez mesmo aniquilada.
De certeza que a “cimeira” entre Eduardo dos Santos, Sassou Nguesso e Joseph Kabila e Jacob Zuma, não terá sido somente para assistir à abertura do CAN, mas também, e é claramente admissível, um aviso dos dois líderes austrais aos dois presidentes congoleses que não admitirão que o terror gratuito seja mantido. Além do CAN aproxima-se um Mundial
E a prova disso as palavras do Governo angolano que admitiram perseguir os elementos da FLEC para fora de território nacional. Politicamente, isso não seria admissível se o aviso não tivesse acontecido anteriormente aos destinatários que, como se sabe, mantêm uma pouca discreta guarida aos secessionistas. Não esqueçamos que existem povos e familiares contíguos nos dois lados das fronteiras.
Outra das razões que levam a crer a natural perda de apoio que os independentistas sofreram está na clara atitude da França que ameaçou deter e expulsar os elementos da FLEC exilados em seu território de acordo com o seu Direito local. Até porque alguns dos seus membros já admitiram que possuem passaporte português.
E isso foi sentido pela FLEC (-FAC) que se desmarcou do acto terrorista, reivindicado pela FLEC-PM – uma ala militarista dissidente da FLEC – que vitimou um angolano, provavelmente, um Cabinda, motorista e dois elementos da delegação do Togo.
E por falar em Togo, porque decidiu a delegação togolesa fazer a viagem por via terrestre quando, segundo a organização e a CAF, as delegações tinham indicação de utilizar nas suas deslocações meios aéreos e entre Point Noire, onde parecem estagiaram e Cabinda existia essa possibilidade.
É certo que este exigência configura uma clara manifestação de assumpção de falta de segurança, (se assim não fosse não pediam que utilizassem os meios aéreos). Por outro lado, não é crível que os congoleses se tivessem mantido mudos e quedos sobre os perigos visíveis e reais que existem numa determinada área geográfica de Cabinda.
Será que os velhos e ancestrais problemas de falta de dinheiro do Togo – recordemos as acusações dos jogadores togoleses sobre os seus dirigentes que levou a FIFA avançar com dinheiro para pagar o que lhes seria devido e evitar que a selecção abandonasse, como agora, o Campeonato Mundial de 2006 – levaram os togoleses a optar pela via terrestre? (Dado já não ser a primeira vez que ameaçam abandonos não parece que a CAF deva ser complacente, como parece ir ser, com o Togo, mas isso…)
Ou será que beneficiando de um já antigo mal-estar que sempre existiu entre Luanda e Lomé, os togoleses esperavam que os secessionistas de Cabinda nunca os preocupassem. Se foi isto leva-nos a crer que alguém enganou alguém e que deseja manter uma certa tensão na região. Só assim se explica o finca-pé do Governo de Lomé, contrariando a posição dos seus atletas, em mandar regressar a delegação ao País.
Em qualquer dos casos esta questão do Togo deve servir como uma profunda lição para o Poder em Luanda. Tal como não é colocando a FLEC entre os movimentos terroristas internacionais que levaremos a questão de Cabinda a bom porto. Estamos a preparar, escrever, adoptar uma nova Constituição. É altura do Poder compreender que Cabinda tem especificidades que devem ser levadas em conta.
E por isso, voltamos a reafirmar uma posição já avançada em devido tempo e que mantemos. Cabinda deve gozar de um estatuto especial dentro da Nação angolana. Uma autonomia ampla onde a Defesa e as Relações Exteriores seriam detidas em exclusivo pelo Poder angolano. A pasta da Economia deveria ser detida em partes quase iguais pelos dois Governos (Regional e Nacional) com a garantia que a maioria dos fundos obtidos seriam utilizados na província. Um desejo que os cabindenses há muito reclamam e com razão.
Angola não precisa da exclusividade do petróleo de Cabinda. O Pais é rico em hidrocarbonetos em toda a sua área e em toda a sua costa. E o País não pode continuar a depender somente do Petróleo.
Tal como o Pais não pode continuar a ser “comandado” por aqueles que vêm os seus próprios interesses acima dos interesses de um Todo e de uma Nação. O Poder tem que começar a ouvir outros, principalmente aqueles que não têm medo de perder o que não têm: poder (com “p” pequeno e efémero)!
*Eugenio Costa Almeida é escritor e colaborador do Noticias lusófonas. Texto publicado em http://www.elcalmeida.net/content/view/13/27/
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