Angola: Dos Santos, Nepotismo Supersónico e Ilicitudes à Velocidade da Luz
O presidente da República José Eduardo dos Santos acaba de nomear a sua filha Isabel dos Santos como presidente do Conselho de Administração da Sonangol; em 2012, tinha nomeado o seu filho José Filomeno dos Santos como presidente do Fundo Soberano de Angola.
O Fundo Soberano de Angola e a maior empresa do país, a Sonangol, aquela que assegura as receitas do Estado, estão portanto nas mãos dos filhos do presidente.
A isto, em português, chama-se nepotismo. Nepotismo significa o favorecimento de parentes naquilo que diz respeito à nomeação ou promoção para cargos de topo.
Muitas críticas e análises serão feitas, e bem, sobre o tema. Vamos concentrar-nos nos aspectos jurídicos desta operação, adiantando desde já as conclusões:
O presidente da República está a actuar de forma inconstitucional e ilegal.
A Constituição de Angola é clara: as matérias referentes às bases do estatuto das empresas públicas, às bases da concessão de exploração dos recursos naturais, à definição e ao regime dos bens de domínio público, bem como à legislação geral sobre todas as matérias não reservadas pela Constituição ao presidente da República pertencem à reserva relativa de competência da Assembleia Nacional (artigo 165.º da CRA). O presidente só pode legislar sobre essas matérias em termos fundamentais (bases e legislação geral) com uma autorização legislativa concedida nos termos do artigo 170.º da CRA. Essa autorização tem de explicitar o objecto, sentido, extensão e duração do que se pretende fazer.
Manifestamente, as modificações introduzidas nos modos de concessão do petróleo, nas funções da Sonangol e na organização do bem mais precioso da nação são modificações de base e de alcance geral. Nunca, em circunstância alguma, o presidente da República poderia implementá-las sem autorização legislativa.
Não havendo lei de autorização legislativa nos termos do artigo 170.º da CRA, o Decreto Presidencial n.º 109/16, de 26 de Maio, que aprova o Modelo de Reajustamento da Organização do Sector dos Petróleos e o respectivo calendário de implementação, bem como o Decreto Presidencial n.º 110/16, que altera profundamente os estatutos da Sonangol, são inconstitucionais e, por isso, não podem produzir qualquer efeito.
Nessa medida, o Despacho que nomeia Isabel dos Santos como presidente do Conselho de Administração da Sonangol também é inconstitucional, uma vez que deriva e constitui a aplicação dos Decretos Presidenciais por natureza inconstitucionais.
Caberá reagir nos tribunais a este manifesto atropelo da Constituição, desde logo através de um recurso extraordinário de inconstitucionalidade do acto administrativo de nomeação de Isabel dos Santos, por ofender os princípios da separação de poderes e da reserva relativa de competência previstos na Constituição. Esta é a hipótese de ainda se corrigir um abuso claro.
Contudo, também tem aqui lugar a Lei da Probidade Pública (Lei n.º 3/10, de 29 de Março). O artigo 28.º dispõe que qualquer agente público, categoria em que se inclui também, enquanto titular do poder executivo, o presidente da República, está impedido de intervir na preparação, decisão e execução de actos em que tenha interesse um seu parente. Ademais, tal intervenção pode dar origem à responsabilização política, disciplinar e criminal (artigo 28.º, n.º 2). Assim, a nomeação de Isabel dos Santos pelo próprio pai, embora através de um ministro com delegação de poderes (o que, face à doutrina da delegação de poderes, a torna irrelevante, uma vez que o delegante é responsável pelo delegado, incorporando os seus actos), acaba por chocar frontalmente com esta lei. Na nossa opinião, deriva do artigo 28.º que o presidente da República não pode directa ou indirectamente realizar contratos ou actos administrativos com as entidades aí referidas (filhos incluídos), a não ser em circunstâncias estritamente políticas não sujeitas a sindicância administrativa.
Face à dupla ilicitude – a inconstitucionalidade e a ilegalidade por ofensa à Lei da Probidade Pública –, devem os tribunais ser accionados, quer a nível constitucional, quer a nível de providências, de modo a travar actos administrativos feridos de ilegalidade e assentes em normas inconstitucionais.
É tempo de acção.