Angola: Crónica de um Crime Anunciado - esposo de Isabel dos Santos no latifúndio
O jornalista e activista Rafael Marques apresentou uma queixa-crime contra Sindika Dokolo, esposo de Isabel dos Santos, filha do presidente de Angola. Dokolo é acusado de adquirir vastas extensões de terra para fundar uma pequena cidade, em cumplicidade com grandes chefias locais.
A interminável história do inamovível presidente José Eduardo dos Santos (36 anos no poder; sem data para sair) e da ganância desmedida da sua família motivou o jornalista investigativo Rafael Marques de Morais a apresentar esta semana uma queixa-crime contra o multimilionário congolês Sindika Dokolo, esposo da bilionária Isabel dos Santos e genro de Zedú.
O governador do Kwanza-Sul, recentemente processado por se ter apropriado ilegitimamente de terras terá depois permitido que o genro do presidente adquirisse uma extensão de terreno suficientemente grande para fundar uma pequena cidade, pelo valor simbólico de US$ 10,000.
A nova queixa apresentada contra o general Eusébio de Brito Teixeira, por suspeita de concessão fraudulenta de terras e burla, nomeia como seus cúmplices no referido crime o coleccionador de arte Sindika Dokolo e a sua empresa, Soklinker (Soklinker Parceiros Comerciais, Lda). Sindika Dokolo, que tem dupla nacionalidade, dinamarquesa e congolesa-democrática, detém 75 por cento da Soklinker. O processo judicial pretende invalidar a concessão unilateral, por um preço irrisório, de uma extensa parcela de terreno, superior a da Cidade do Kilamba e equivalente a quase metade do território da capital dos Estados Unidos da Amércia, Washington DC, à Soklinker.
Há um ano atrás, a 26 de Janeiro de 2015, o mesmo governador de província, general Eusébio de Brito Teixeira, assinou o Contrato de Concessão de Direito de Superfície a favor da Soklinker (81-KS/20009). O terreno em questão era uma “parcela rural” de 7,632 hectares (76.32 quilómetros quadrados), situado numa área conhecida como Ex-Carvalho, na comuna de Gangula, Município de Sumbe. O decreto do governador estipula que a concessão se fazia para “efeitos de construção”. Com efeito, tal originaria uma cidade maior do que a Cidade de Kilamba, que alberga actualmente mais de 50 mil residentes.
Em ambas as ocasiões, o governador provincial agiu fora dos limites do seu mandato.
Em primeiro lugar, a Lei de Terras apenas permite que um governador de província possa alienar terrenos de dimensão não superior a mil hectares. Tratando-se de terrenos de dimensões entre mil e dez mil hectares, a autoridade passa a ser exercida, pela entidade que superintende o cadastro, e pela respectiva autoridade local. Adicionalmente, a lei que regulamenta a Administração Local especifica que a jurisdição sobre alienação de terras pertence ao governo provincial colectivamente, e não ao indivíduo que num determinado momento exerce funções de governador.
Da lei não consta o conceito de “parcela rural para efeitos de construção”. Os terrenos rurais são definidos como “terrenos rurais comunitários; terrenos agrários; terrenos florestais; terrenos de instalação e terrenos viários” (Lei de Terras, Art. 22).
Como factor agravante adicional surge o facto de que nenhuma transacção de terras deverá defraudar o Estado nos seus legítimos interesses. Neste caso, o contracto foi feito no valor de 1.5 milhões de kuanzas (o equivalente a US$ 14,615) a serem pagas em cinco prestações anuais (sem qualquer actualização proveniente da inflação ou indexado a qualquer correcção monetária). Um ano mais tarde, o valor do esquema tinha caído para o equivalente a US$ 9,806 (à taxa de câmbio oficial). É igualmente de notar que os terrenos rurais são vendidos por valores inferiores àqueles por que se transaccionam terrenos urbanos. A compra de um terreno rural com conhecimento de que o mesmo será seguidamente transformado em terreno urbano e passível de construção defrauda o Estado angolano. A queixa contra o general Eusébio acrescenta que, ao cometer tal acto inválido, este falhou no cumprimento do seu dever de protecção do património publico.
De acordo com o queixoso, terá sido ilegal que o governador tenha agido para além dos poderes que a sua posição lhe confere, terá sido ilegal ceder um terreno rural da forma como neste caso se fez e terá ainda sido ilegal estabelecer para tal transacção um valor tão baixo, defraudando assim o Estado no que lhe era devido.
Será coincidência o facto de o beneficiário desta transacção ter sido o genro do Presidente? Será coincidência que a família do Presidente dela retire benefícios financeiros ilegais?
Esta é apenas a mais recente revelação, de entre tantas outras que compõem a crónica completa das transacções financeiras dúbias envolvendo o Presidente, a sua filha Isabel dos Santos e a restante família presidencial. Observadores de Angola avançam que este é apenas o topo do iceberg, uma nota de aviso para todos aqueles que estão envolvidos em negócios com a família presidencial.