A crise financeira e económica que assola Angola, devido, sobretudo, à descida do preço do barril de petróleo no mercado internacional, agrava a situação já árdua dos angolanos, principalmente os de baixa renda. Esta crise surge num contexto desfavorável para o regime de José Eduardo dos Santos, no que se refere à sua reputação e credibilidade política a nível internacional. A prisão, considerada infundada, dos 15 jovens activistas foi talvez a gota que transbordou o copo e quebrou o silêncio que caracterizava os cidadãos angolanos, os quais, através das redes sociais tem actualmente criticado severamente o regime.
Angola está a atravessar uma das mais graves crises financeira e económica da sua história recente, a primeira crise desse género no pós-conflito. Os primeiros sinais dessa crise começaram a ser sentidos no segundo semestre do ano passado, quando houve uma queda abrupta do preço do petróleo nos mercados internacionais. Com isto, o governo angolano viu-se obrigado a forçar um orçamento rectificativo, e colocou o preço do barril de petróleo a 40 dólares, quando o Orçamento Geral do Estado (OGE) tinha, inicialmente, estabelecido um preço de 81 dólares.
Este facto acabou por causar um impacto directo nas receitas fiscais do Estado, porque 95% da receita arrecadada pelo governo provinha do sector petrolífero, de acordo com o OGE de 2014. Assim, o governo estimou ter uma perda de cerca de 35, 7% das suas receitas. Atendendo a essa situação de redução drástica das suas receitas fiscais, o governo viu-se forçado a cortar um terço da sua despesa e a estimular o sector não petrolífero. Além disso criou uma nova taxa que designou de “contribuição especial” sobre as operações cambiais. Segundo o Jornal Económico, “a medida tem ainda que ser regulamentada”, sendo que esta taxa ficará entre os 15% e 18%.
A medida de maior impacto, no que diz respeito aos cortes na despesa do Estado prevista no OGE de 2016, é, sem dúvida, o fim da subvenção dos combustíveis, originando, assim, uma subida acentuada dos derivados do petróleo. Por exemplo, a gasolina passa a custar 160 kwanzas e o gasóleo 146 kwanzas, quando custavam cerca de 60 e 45 kwanzas respectivamente, no início de 2014. Esta medida permite ao Estado poupar cerca de 5 mil milhões de dólares, sendo que este valor será usado, segundo o Secretário de Estado do Orçamento, Alcides Safeka, para “reduzir o défice orçamental e garantir o funcionamento das instituições do Estado”. De facto, tal como afirmou o Secretário de Estado, o fim da subvenção dos combustíveis por parte do Estado ajuda no processo de redução da despesa geral do Estado e do seu défice externo.
No entanto, esta medida tem um impacto económico e social profundo na vida da maioria dos angolanos, porque a subida dos combustíveis acaba por funcionar como um catalisador para a subida do preço de outros bens. Por exemplo, a corrida de táxi que custava cerca de 100 kwanzas (€0,7 dólares), passou a custar cerca de 150 kwanzas (1,35 dólares). Também o preço de gás de 15 quilos, que estava a ser vendido a 635 kwanzas (4,2 dólares), está agora a custar cerca de 1200 kwanzas (8,2 dólares). Esta subida vertiginosa dos preços afecta, principalmente, os sujeitos que têm baixos rendimentos, já que, em Angola, não há uma rede de transportes públicos, mas sim carros privados que prestam este tipo de serviço, pelo que estes tenderão a fazer reflectir esta subida no bolso dos passageiros. Aumenta, portanto, o nível de insatisfação dos cidadãos angolanos.
Não podemos considerar que esta é a mais grave crise político-económico da história de Angola, um país que viveu uma guerra civil de 27 anos, cujos efeitos foram devastadores
CRISE ECONÓMICA EM CONTEXTO DE TURBULÊNCIA POLÍTICA E SOCIAL
A crise económica angolana surge num contexto de forte pressão internacional contra as autoridades angolanas, protagonizada por organizações dos direitos humanos, nomeadamente a Amnistia Internacional, e dos partidos políticos, sendo destacado o Bloco de Esquerda em Portugal. A pressão que sofre o governo advém da já conhecida detenção de quinze jovens activistas angolanos, os “revús”, sendo estes acusados de preparar um golpe de Estado ou de actos subversivos que atentam contra a segurança do Estado. Porém, estas acusações foram consideradas infundadas por parte da sociedade civil nacional e internacional. No plano interno, foi organizado um conjunto de vigílias junto à Igreja Sagrada Família, em Luanda, durante vários dias, com a adesão de centenas de pessoas e com bastante apoio nas redes sociais.
No plano internacional, realizaram-se vigílias, principalmente em Lisboa, e concertos de solidariedade dos artistas MCK e Bonga, assim como manifestações políticas contra à detenção dos jovens em Luanda. Todas estas actividades tiveram uma repercussão mediática profunda, nas redes sociais e nos órgãos de comunicação social internos e externos. Estas manifestações e protestos acabaram por ter um impacto mediático mais forte, porque decorreram, precisamente, quando um dos activistas, o Luaty Beirão, fazia uma greve de fome em protesto contra a prisão do grupo. De forma a evitar certos rumores que davam conta da morte do activista, a televisão pública angolana, nos seus serviços noticiosos, passou a dar conta do estado de saúde do activista e chegou mesmo a recolher imagens e tentou uma entrevista com o activista, que se encontrava debilitado.
A prisão dos jovens capturou toda a agenda mediática angolana e figuras ligadas ao poder tiveram que vir ao terreno explicar as razões da prisão. Assim, pela primeira vez, na história de Angola, a sociedade civil exerceu uma pressão forte ao poder. A sociedade civil angolana foi durante muito tempo ostracizada, principalmente devido ao contexto da guerra civil. Tal como refere o académico angolano Nelson Pestana, “…num país em guerra, toda a tentativa de autonomização da sociedade civil é também esmagada pela guerra”. Assim, um acto de protesto podia ser, facilmente, relacionado como um apoio às forças rebeldes da UNITA e contra o governo. Por isso, o silêncio da sociedade civil sobre certas situações social de injustiça era um acto de sobrevivência desses corpos sociais.
Passados cerca de catorze anos, esta situação já não se coloca, visto que a UNITA já não constitui uma ameaça de natureza militar e o nível de expectativa dos angolanos também aumentou - a guerra que serviu como uma desculpa legítima por parte do governo angolano deixou de existir. Assim, a pressão política aos actos protagonizados pelo executivo são cada vez mais visíveis, principalmente, nas redes sociais, ao ponto de o Presidente da República, José Eduardo dos Santos, na sua mensagem de ano novo, ter-se pronunciado sobre os efeitos nefastos das redes sociais, servindo como um meio de contestação e ataque ao governo e ao bom nome das pessoas.
De facto, as redes sociais tornaram-se num meio onde os cidadãos livremente exressão suas opinião e críticas à política do executivo, passando muitas vezes os limites do politicamente correcto. Espera-se que esta contestação possa aumentar nesta fase de crise económica e financeira. Antevendo essa situação, o julgamento dos activistas angolanos tem sido sistematicamente adiado de forma a diminuir o “ruído” social que recai sobre o seu julgamento.
*Sérgio Manuel Dundão é formado em Ciência Política e Relações Internacionais pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. É professor de Ciência Política no Instituto Superior de Relações Internacionais e Ciências Sociais (CIS), em Luanda.
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