Janira Hopffer candidata-se ao cargo de primeira-ministra em Cabo Verde. Ao ser eleita, será a primeira mulher a ocupar o cargo de chefe do governo na história pós-colonial de Cabo Verde. Será essa a oportunidade para quebrar o tradicional "dejá vu" e provar ao mundo que, em Cabo Verde, paridade de género não é apenas uma questão de discurso politicamente correcto?
No dia 20 de Março próximo os cabo-verdianos e as cabo-verdianas terão nas suas mãos uma oportunidade soberana e única, de romper com o tradicional "dejá vu", dando a oportunidade a uma mulher para dirigir os destinos do seu país. É uma oportunidade a não desperdiçar. Entendo, enquanto mulher e investigadora em género, que ao eleger a primeira mulher para um cargo de primeira-ministra do seu país, os cabo-verdianos e as cabo-verdianas estariam a mandar um recado ao mundo ocidental, ao chamado mundo civilizado, dizendo o seguinte: para nós a igualdade de género não é mera retórica, não é mero discurso para impressionar e distrair o outro e assim continuar a saga do paternalismo bacoco de uma sociedade dominada, para não dizer escravizada, pelas visões e ideias machistas, onde impera o conceito peregrino de que a mulher é o elo mais fraco da sociedade, não podendo por isso assumir certas responsabilidades na esfera pública.
Cabo Verde estaria assim, mais uma vez, a mostrar ao mundo e reafirmar o adágio popular de que afinal “tamanho ka documento”, pois, sendo um país pequeno, tem sido porém grande em assumir posições que mexem com o status quo estabelecido. De facto, eleger Janira Hopffer Almada para exercer o cargo de primeira-ministra de Cabo Verde, seria um acto heróico do povo cabo-verdiano, de patriotismo, a expressão máxima de que o país ganhou, de uma vez por todas, a maturidade política e social de que precisava para ensaiar novos voos na construção do seu futuro.
Cabo Verde é um país de sucesso. Em todos os domínios. Não tendo recursos naturais, o país conseguiu trilhar o seu processo de desenvolvimento potencializando o único recurso intangível mais importante que possui – os cabo-verdianos e as cabo-verdianas. E desse recurso intangível, as mulheres representam cerca de 50.5% por cento, ou seja, metade da sua população. Numa leitura empírica e simples, só por esse facto, este país devia dar mais oportunidades às mulheres nos espaços públicos de decisão. A igualdade de género também se exprime nestas equações simples, de primeiro grau. Assim como o empoderamento da mulher.
Cabo Verde ganhou, ao longo dos últimos anos, grande maturidade política, governativa e democrática, sendo um caso de sucesso em África e no mundo. É um país pequeno, porém, com uma elevada capacidade de realização – as instituições democráticas funcionam e o país respira desenvolvimento, progresso e respeito internacional. A sua auto-estima, a sua performance política, o seu posicionamento no quadro da política internacional, a sua capacidade de diálogo e de análise no contexto global, tem feito de Cabo Verde um exemplo a ser seguido, sobretudo em África, e particularmente, no espaço da Comunidade Económica dos Estados da África ocidental (CEDEAO) onde se encontra inserido.
E vai continuar a ser este exemplo no mundo, em África e na região da CEDEAO, pois, no dia 20 de Março próximo, os cabo-verdianos e as cabo-verdianas poderão eleger uma mulher para dirigir o país, enquanto chefe do Governo. Pela primeira vez na história deste arquipélago – que conquistou a sua independência política em 1975 – uma mulher vai concorrer para um cargo político tradicionalmente reservado aos homens, no mundo inteiro e em África, particularmente.
Em Cabo Verde seria um facto inédito tal eleição. Porque as mulheres ainda se exprimem de uma forma tímida em espaços públicos tradicionalmente dominados por homens. Por exemplo, as estatísticas mostram que a participação da mulher na vida política ainda é exígua, não ultrapassando a faixa do 20% em órgãos eleitos, como a Assembleia Nacional e as Assembleias Municipais. E estudos indicam que, pelo andar da carruagem, o país só atingirá a paridade, ou seja, uma margem de até 40% de participação efectiva das mulheres na vida política, em 2040.
20 de Março é uma oportunidade para se mudar o quadro, promovendo, soberana e legitimamente, uma mulher para o mais elevado cargo de gestão do país. Cabo Verde inteiro aspira uma sociedade mais equilibrada. Ora, aqui está a oportunidade para que esta aspiração se concretize. Porque o equilíbrio que o país tanto aspira também se exprime em mais oportunidades para as mulheres.
Aqui, a posição partidária teria um papel secundário, porque o desenvolvimento do país esteve, está e estará sempre acima de interesses partidários. Este país tem séculos de histórias, escritas com o sangue e o suor de homens e mulheres que jamais colocaram interesses imediatos, individuais e de grupo, acima dos interesses colectivos, nacionais, da república. Os cabo-verdianos e as cabo-verdianas sempre souberam decidir, definir e separar o importante do acessório. Porque sempre colocara o país acima de tudo.
O desenvolvimento de Cabo Verde esteve sempre ancorado nesta postura e nesta visão do seu povo.
*Carla Carvalho, socióloga, docente na Universidade de Cabo Verde e doutoranda em Estudos de Desenvolvimento no ISEG/Universidade de Lisboa, especialista em género e pesquisadora na área do género e desenvolvimento.
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