São 80 anos de uma grande e complexa história de vida onde a literatura é parte substancial. Nascido em Ourém (Portugal) viria a lutar convictamente pela independência de Angola. Foi preso político no Tarrafal em 1964, saindo a 1972, com residência vigiada em Lisboa. No regresso a Angola onde não lhe faltou acesso a importantes cargos: director da Televisão Popular de Angola (1975-1978), director do Departamento de Orientação Revolucionária do MPLA (1975-1979) e do Instituto Angolano de Cinema (1979-1984) e ainda secretário-geral da União dos Escritores Angolanos. Na sequência das eleições de 1992 e regresso da guerra civil, escolhe viver no norte de Portugal, Vila Nova De Cerveira. Em 2006 recusava o maior galardão literário da língua portuguesa: o Prémio Camões. Tem a editora Nossomos através da qual se entusiasma a publicar poetas angolanos.
São 80 anos de uma grande e complexa história de vida onde a literatura é parte substancial. Nascido em Ourém (Portugal) viria a lutar convictamente pela independência de Angola. Foi preso político no Tarrafal em 1964, saindo a 1972, com residência vigiada em Lisboa. No regresso a Angola onde não lhe faltou acesso a importantes cargos: director da Televisão Popular de Angola (1975-1978), director do Departamento de Orientação Revolucionária do MPLA (1975-1979) e do Instituto Angolano de Cinema (1979-1984) e ainda secretário-geral da União dos Escritores Angolanos. Na sequência das eleições de 1992 e regresso da guerra civil, escolhe viver no norte de Portugal, Vila Nova De Cerveira. Em 2006 recusava o maior galardão literário da língua portuguesa: o Prémio Camões. Tem a editora Nossomos através da qual se entusiasma a publicar poetas angolanos.
Luandino Vieira, um Clássico Vivo
Vai fazer oitenta anos. E agora, José? A pergunta não é para Luandino Vieira, angolano, Prémio Camões 2006, declinado pelo autor de A Cidade e a Infância. A pergunta é para os seus leitores. Ele faz oitenta anos. É biográfico, a insistência e a teimosia de durar. Não é coisa pouca pôr uma cidade no nome, agora ortónimo, dele e dela.
A ficção, a obra de Luandino, é o futuro, como compete a um clássico. Da infância no Braga, Makulusu, Kinaxixe – bairros de Luanda -, da Porta Treze, Associação de Poesia, em Vila Nova de Cerveira, da colecção de Poesia que vem editando, a Nossomos. Das estórias infantis, dos desenhos. E o rio Kwanza, sempre, mesmo quando atravessa o Minho para ir à Galiza. Porque a ficção, para citar José Augusto Mourão, produz sobretudo a fidúcia ontológica. E ele vem de lá, longuilento, desde a Geração Cultura (década de 50 do século passado) e que vai ir continuar a acção do Movimento dos Novos Intelectuais de Angola (1948).
Seria estulto destacar o seu lugar na afirmação da literatura angolana. Luuanda é a ruptura; o desvio normativo da variante europeia do português a deliberada profanação. Disse Luandino em entrevista antiga: “[…] penso que o primeiro elemento da cultura angolana que interferiu com a escrita, segundo a norma portuguesa, foi a introdução da oralidade luandense no meio do discurso da norma portuguesa… mas depois, quando entramos na luta política pela independência do país, que foi feita em nome das camadas que não tinham voz – e se tivessem não podiam falar, e se falassem não falariam muito tempo… -, foi aí que os escritores angolanos resolveram dar voz àqueles que não tinham voz e, portanto, escrever para que se soubesse o que era o nosso país, se soubesse qual era a situação do país e, desse modo, interferirem de maneira a modificarem essa situação…”. Pode dizer-se que “isso” continua embora noutro enquadramento histórico-cultural.
Na triologia De Rios Velhos e de Guerrilheiros está a súmula de uma obra escrita quase toda na cadeia, como preso político, à excepção desta, que citamos.
Foi no navio Kwanza – ironia desmedida – que Luandino seguiu para o Tarrafal, nos idos da década de 60. É o Kwanza, o rio, a grande metaforização que percorre parte da sua obra e onde se inscreve o fluxo do tempo, a interrogação, de A Vida Verdadeira de Domingos Xavier ao Livro dos Guerrilheiros, primeiro da triologia já referida.
Um dos grandes prosadores da sua outrada Língua Portuguesa faz oitenta anos. Maio espera-o com ele nas margens todas do rio, de montante a jusante, esse Kwanza e a declinação de todos os seus nomes.
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80 anos de vida e coerência!
Hoje, quando “tudo que é sólido desmancha no ar” (Marx), não posso deixar de louvar a “vida verdadeira” de Luandino Vieira, cujo exemplo de integridade e coerência pessoal, coletiva, política e estética se mantém e deve continuar a inspirar e instigar, em Angola e em outras partes do mundo, gerações mais novas que não experimentaram o gosto das utopias sociais revolucionárias.
Todos os semestres, a cada ano, desde 1993, leio, com turmas de Graduação e Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Luuanda e é sempre uma estesia e um prazer renovados. Os alunos se emocionam com a beleza estética dos contos “A Estória da Galinha e do Ovo”, “Vavó Xixi e seu Neto Zeca Santos”, “Estória do Ladrão e do Papagaio”. Tenho a honra e a alegria de ter apresentado a muitos mestrandos e doutorandos da UFRJ este e outros livros – inovadores do ponto de vista ficcional – que compõem a magnífica obra de Luandino Vieira, autor que se tornou alvo de dissertações e teses de Mestrado e Doutorado na minha e em outras Universidades .
Michel Laban, certa vez, comentou que – como eu – gostava muito de analisar os textos de Luandino com seus estudantes, pois, embora estes, no início, reclamassem por não entenderem muitas palavras e expressões, depois de suas explicações, passavam a ler com muito interesse.
As estórias de Luandino se situam, em geral, em espaços marginais, periféricos, apontando, criticamente, para opressões e preconceitos que tolhem a existência humana. No entanto, nunca se descuidam do intenso trabalho literário com a linguagem. Como “escritos da margem”, os textos do escritor são sempre permeados de afetos e pensamentos que põem em questão atitudes autoritárias, atuando como narrativas emancipatórias, na medida em que levam os leitores a refletirem, social, literária e filosoficamente, acerca da liberdade. Aí reside a imensa lucidez do discurso de Luandino, cujo narrar adentra pelos subterrâneos do passado pessoal e coletivo, problematizando sentidos submersos da história angolana, mas não só, tendo em vista o fato de sua ficção operar, também, com dimensões existenciais, poéticas e humanas.
Além de escritor, Luandino Vieira é um exímio artista plástico; suas ilustrações em livros e cartões são lindíssimas. É um grande homem de cultura. Inspirado no poema “Mussunda Amigo, criou a Nóssomos, uma micro-editora, cuja meta principal é reeditar os clássicos da literatura angolana e publicar os novos talentos da poesia contemporânea em Angola.
Luandino faz um belo trabalho de edição e animação cultural na Nóssomos e na Livraria Porta 13, em Vila Nova de Cerveira, no norte de Portugal, onde atualmente reside. Com dignidade, brio e generosidade, se mantém totalmente afastado do capitalismo que só visa ao lucro; continua a disseminar a cultura, a literatura e a poesia angolanas, fiel aos ideais culturais defendidos nos tempos revolucionários: “(…) no espírito e na inteligência nós somos!/ Nós somos/ Mussunda amigo / Nóssomos // Inseparáveis / e caminhando ainda para o nosso sonho/ (…)” [AGOSTINHO NETO">.
Parabéns, Luandino! Muita paz e saúde! Muitos anos de vida!
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Há que discutir as várias faces de Luandino
O Luandino teve uma influência enorme na literatura angolana, porque mostrou que era possível utilizar literariamente o português falado nos musseques de Luanda – uma certa variante do português angolano. Teve muitos seguidores, embora nem todos tenham compreendido o trabalho dele, porque é um trabalho muito sofisticado. O Luandino buscou inspiração no Guimarães Rosa, é claro, mas também leu muito a Bíblia e os grandes clássicos da literatura universal. Curiosamente, o projecto dele não parece ter tido continuidade. Creio que havia no Luandino um lado de afirmação nacionalista que deixou de ter sentido com a independência.
Hoje o Luandino é muito pouco lido, o que é uma pena, porque ele tem momentos geniais. Alguns dos livros estão datados, é verdade, só podem ser entendidos no contexto colonial, e entretanto perderam força, mas outros são intemporais.
Provavelmente é altura para reeditar o Luandino e discuti-lo. Há muito que discutir. Mesmo o facto de ele não ter mudado de estilo nem de temática quarenta ou cinquenta anos mais tarde, quando voltou a escrever e a publicar. Estes últimos livros não se distinguem em nada dos anteriores – o que não deixa de ser estranho e um tanto desalentado – contudo, são bons.
Quanto a dialogar com a minha obra, não é o autor mais óbvio. Acho que ele influenciou muita gente, incluindo escritores mais jovens como o Ondjaki. A mim, não muito. Acho que fui mais marcado pelo Ruy Duarte de Carvalho, por exemplo.
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Um homem íntegro e de princípios
José Vieira Mateus da Graça, mas conhecido por Luandino Vieira, foi vizinho da minha família no bairro do Maculusso na cidade de Luanda, no entanto só conheci o Luandino em 1974, já após o 25 de Abril, quando ele foi trabalhar para a Rádio Televisão Popular de Angola (RPA) como director-geral. Trabalhámos juntos durante 4 anos. Depois ele foi abrir o Instituto Angolano de Cinema e eu continuei na (RPA).
Para mim, o Luandino é o mas criativo dos escritores angolanos da sua geração, trazendo uma nova linguagem e forma de escrever moderna, vindo a influenciar alguns jovens escritores como Mia Couto.
Para além de ser um Nacionalista corajoso que deu os melhores anos da sua juventude pelo ideal da Independência de Angola, é um homem íntegro e de princípios. Recentemente, sobre um trabalho que estamos a fazer em comum, Luandino dizia-me:
“No Tarrafal, nós os angolanos, vivíamos todos em conjunto na mesma caserna. Oriundos dos três movimentos de libertação, mas sobretudo oriundos de regiões diferentes do país, com culturas diferentes. Conseguimos viver em harmonia porque estava ali gente que tinha realmente a visão nacional do país. Isso foi a melhor Universidade, o melhor curso de ciências políticas que podíamos ter tido”.
Parabéns Amigo Luandino! Muitos anos com saúde e humor!
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Compromisso com a gente das periferias
Luandino Vieira construiu uma obra dual: na luta política pela liberdade dos povos oprimidos; e no domínio da Cultura Angolana e Universal.
Sempre foi um cidadão do Mundo intransigente, incapaz de pactuar com o fascismo e o colonialismo. A sua revolta foi fruto da assimilação do sofrimento dos povos angolano e português debaixo da garra de Salazar.
Aprimorou a pena como arma de combate, mas também como arte sublime do discurso autêntico da africanidade. O livro que recentemente completou 50 anos de edição, Luuanda, é um vivo testemunho do seu compromisso com a gente das periferias da Terra e com a estética da Palavra. De toda a vez que releio Luandino me revejo nas suas estórias e me deleito nas ondas sublimes da sua escrita.
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Luandino Vieira, um exímio tecelão
Dizer alguma coisa sobre Luandino, deixando de lado a figura do amigo, é impensável. Assim, começo por saudar seus 80 anos, parodiando, às avessas, o “José” de Carlos Drummond de Andrade, e dizendo a este amigo: Vá em frente, sem temer o “para onde?” e pensando sempre que “a festa [não"> acabou / a luz [não"> apagou / [seu"> povo [não"> sumiu” e, sobretudo, “a noite”, duplo da vida, jamais esfriará.
Já agora, pensando o autor e sua obra, repito que Luandino, em João Vêncio: os seus amores, de certo modo encena seu próprio fazer literário, quando, pela voz do personagem, nos diz de seu medo de rebentar o fio, não da vida, mas do texto. Por isso, como escritor, ele se desdobra em dois, mostrando-nos, de um lado, sua própria condição de sujeito de um tempo partido – que afinal é o nosso também –, sujeito que não esconde o amor por Angola, em especial por Luanda, daí incorporá-la ao próprio nome, filialmente.
De outra parte, como artista da palavra, ele demonstra plena consciência de seu labor estético e a necessidade de preservar a inteireza dos fios imagísticos e linguísticos que entretece e pelos quais cria a “beleza forra” – expressão de Vêncio – por ele sempre perseguida, como exímio tecelão que é. Assim trama um denso tecido de palavras, imagens, sonoridades, gestos, cujos fios se entrelaçam com perfeição, levando-nos a perceber que nada ali é excesso. Por isso nos entregamos à festa por ele organizada e nela mergulhamos, fruindo o imenso prazer do texto, de que fala Roland Barthes, sempre algo que arrebata e emociona. Repito: “beleza forra”.
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Falam, conversam o mundo
Para Arnaldo Santos e José Luandino Vieira
Meninos Mais-Velhos dos Pássaros e dos Rios,
na celebração dos seus 80 anos de Vida e Poesia
Falam,
conversam o mundo.
E do segredo mínimo
das águas – correndo,
ascende o brilho
do ouro submerso.
Estão sentados no fogo antigo
da Terra – escavam,
retiram as palavras
do seu estado larvar,
atam seus cordões umbilicais a ventres
inaugurais e púberes:
− A palavra,
dizem: procura-a
na concha do ouvido.
Que ela cante – expedita e natural.
Estão sentados no fogo antigo
da Terra – a voz é o seu poder
e bordão:
caligrafia aérea e cantante
insculpida no sangue e sua dança
− batendo, fluindo, sustentando
a escultural melodia da Terra:
de geração em geração: o mundo,
nosso – canto,
poema.
E que a palavra seja –
modelando-se por águas noctívagas,
iluminadas,
ao rés do vento: epopeia breve
− que o tempo alonga,
acrescenta,
rememora – a voz.
E estas mãos:
sua inumerável herança.
Justino Pinto de Andrade
Lembro, sobretudo, o colega de cadeia e de confidências, no Tarrafal, o Luandino sempre bem disposto e preparado para a boa disposição do dia seguinte. O Luandino nunca quebrou e contribuiu com o seu espírito para que nós, mais novos, pudéssemos olhar para o tempo que passava com optimismo. No Luandino, havia sempre uma esperança e ela, finalmente, chegou com o 25 de Abril… Nesse dia, ele já não estava connosco, já estava em semi-liberdade, em Portugal. Nesse dia, mais concretamente, no dia 1 de Maio, quando tomei conhecimento do Golpe, também me lembrei dele e dos outros companheiros com quem partilhei aquele espaço. Estava mais próxima a nossa Vitória…
Parabéns, Luandino! Mereces ter vivido estes 80 anos…
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