Casas de horrores

A cada rebelião, a cada chacina, novas promessas. Compromissos nunca ou raramente cumpridos. Responsabilidades que nunca são assumidas. No Maranhão e em praticamente todo o Brasil.

A cada rebelião, a cada chacina, novas promessas. Compromissos nunca ou raramente cumpridos. Responsabilidades que nunca são assumidas. No Maranhão e em praticamente todo o Brasil.

Há dias procurei no Google imagens do Complexo Prisional de Pedrinhas, em São Luís, capital estadual do Maranhão – a mesma onde durante anos a União Europeia investiu "corajosamente" para a recuperação, sem grande sucesso, do patrimônio arquitetônico da cidade.

Encontrei dezenas de imagens. Algumas delas testemunhas silenciosas da perversão e crueldade a que o ser humano pode chegar, como a de um recluso que teve a pele de uma perna arrancada numa sessão de tortura protagonizada por um bando rival ou a que mostra as cabeças decapitadas de três detentos. Fotos que, no seu silêncio dramático, revelam o dia-a-dia violento de uma prisão transformada numa casa de horrores.

Ali, impera a lei do mais forte. Ao longo do ano passado, sessenta presos foram mortos. Na primeira semana deste ano, mais dois presos foram assassinados. Uma violência que transborda dos edifícios prisionais para as ruas da cidade histórica, classificada pela Unesco. Em retaliação ao reforço da guarda policial e à apreensão de meia dúzia de telefones celulares e aparelhos de televisão, líderes de facções criminosas que cumprem pena em Pedrinhas deram a ordem: incendiar ônibus. Os executores, jovens em liberdade, cumpriram a determinação. Os passageiros de um dos ônibus não foram poupados. Uma mãe e duas filhas foram atingidas pelas chamas. Regressavam a casa. Uma das crianças morreu; outra está internada num dos hospitais da cidade; e a mãe ainda corre perigo de vida. O coração do avô da menina que morreu não suportou a notícia. E também nos deixou.

Quando escurece, São Luís assemelha-se a uma cidade fantasma que só aos poucos parece acordar. O medo instalou-se. O governo continua ausente num dos estados mais atrasados do Brasil. A governadora – de linhagem política quase hereditária - assina lacônicos comunicados. Frente às câmaras de televisão, as autoridades locais fazem promessas paliativas.

O que aconteceu em São Luís nos últimos dias não é novidade no Brasil. E não é caso isolado. O ano passado, o estado de Santa Catarina, no "sul maravilha", foi palco de idêntica onda de violência nas ruas. Dezenas de ônibus foram incendiados. Também aqui a ordem teria partido de dentro das prisões do estado, numa reação a maus tratos a que os reclusos estariam a ser submetidos pelos guardas prisionais.

A violência nas prisões é uma das consequências de um sistema abandonado pelos poderes públicos. Um abandono que se testemunha há muitos anos. A cada rebelião, a cada chacina, novas promessas. Compromissos nunca ou raramente cumpridos. Responsabilidades que nunca são assumidas. No Maranhão e em praticamente todo o Brasil.

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