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Já afirmei várias vezes nas redes sociais que o fim da ditadura não tardará muito mais. E quanto mais repressiva for a ditadura nesta sua fase final mais rapidamente nos aproximará do momento em que a sociedade angolana acabará com ela.

Porque é um regime insustentável será mais ajuizado e melhor para os seus dirigentes, agentes, clientes como para todos nós, cidadãos, que abdiquem do poder o mais cedo possível para que seja iniciado um processo de transição sem turbulência para a democracia.

Há décadas que sou activo na observação e denuncia dos actos da ditadura que o MPLA implantou desde a independência do nosso país e que, em consequência do fim da guerra fria, mascarou de "democracia" para sobreviver às mudanças políticas internacionais com os efeitos que tiveram e vão tendo em Angola.

Nunca, como nos dias que correm, senti que a mudança estivesse tão próxima. Pareceu- me sempre uma meta longínqua e mesmo quase impossível de alcançar. Agora sinto esse momento muito perto. Falta pouco, falta menos do que possa parecer á maioria das angolanas, angolanos e não só.

Percebo que a mudança é eminente quando na reflexão se destacam com força determinante evidências de que, por um lado, as hostes da ditadura recuam por não terem mais moral para se imporem com a brutalidade repressiva criminosa a que recorreram num passado muito recente. Por outro lado estamos cada vez mais perante evidencias, também determinantes, de avanços no plano da exigência de dignidade cidadã de mais numerosos, mais ousados e firmes actores sociais e políticos que, inclusive, há muito pouco tempo se encolhiam e calavam temerosos. Essa é uma alteração objectiva irrecusável e irreversível do universo cidadão angolano que acabará produzindo a alteração radical do político angolano.

A ousada exposição de cidadãs e cidadãos a riscos de perseguição pela ditadura que hoje constatamos (ex.) nas redes sociais era impensável há menos de uma década. Seriam reprimidos imediatamente. Mesmo que os sectores mais radicais da ditadura, em desespero extremo, possam querer recorrer à repressão pura e dura como no passado, já não têm ambiente interno e externo para reprimirem com a impunidade com que nesse passado submeteram a sociedade angolana. Portanto, aceitem-no ou não, algo mudou radicalmente. Algo atou as mãos à ditadura e a contém de incorrer em excessos de violência contra a sociedade angolana.

- Nunca será demais lembrar que nos dias que correm o cometimento de crimes contra a humanidade deixou de ter a ampla cumplicidade da comunidade internacional já só por omissão que teve. É assim ainda que nessa matéria, sabemos bem, não estejamos num mundo em que a justiça internacional seja aplicada da mesma forma a todos que violam direitos humanos e ou cometam crimes contra a humanidade.

Produto em grande medida do efeito do acesso às novas tecnologias de comunicação em rede (mesmo se em Angola ainda se regista uma grande exclusão nesse domínio) constatamos um crescimento galopante do universo de cidadãs e cidadãos angolanos que desenvolveram a percepção objectiva da situação ditatorial que de facto prevalece no país, assim como dos rendimentos particulares dos sectores que mais se servem da ditadura do que servem ao país.

Constatamos também o desenvolvimento da consciência política cidadã e, em consequência, assumimos cada vez mais a legitimidade que temos para recusar a ditadura e impormos um estado de direito de facto e uma democracia verdadeira que se tornaram a nossa aspiração legitima principal, a meta estratégica neste momento do nosso desenvolvimento.

Nos dias que correm esse imbricado crescimento e desenvolvimento da consciência política da sociedade angolana já não é reversível, nem com recurso à violência. A repressão, se for a resposta da ditadura à sociedade, mesmo se não só porque fará vitimas, subsidiará sempre esse desenvolvimento acelerando-o e consolidando a convicção da necessidade de acção da sociedade para a sua libertação enquanto condição essencial à caminhada da sociedade angolana para a modernidade e bem estar.

Portanto, o corpo da ditadura está a perder gradualmente o controle do pensamento político e dos espaços da sociedade que sempre teve sob sua hegemonia e o corpo social da, e ou para a, liberdade está moldar um pensamento colectivo moderno e a ocupar os espaços perdidos pela ditadura de forma progressiva.

De facto, em termos de componentes da sociedade determinantes da manutenção da ditadura, internamente pouco mais lhe resta do que a massa de militantes incondicionais e ou oportunistas do seu partido e, principalmente, o controle férreo das forças militares e policiais do estado com que retarda os avanços da sociedade. Sem a hegemonia partidária sobre essas forças, exercida pelos caciques militares do ditador (que deveriam ser absolutamente republicanas e, portanto, subordinadas apenas à lei) a sua obediência à ditadura já teria sido anulada.

Mesmo no seio dessas forças também se registaram avanços do campo da liberdade bastante importantes, mesmo que não sejam os bastantes para desequilibrar a relação de forças entre o campo da liberdade e o da ditadura nas instituições castrenses. Essas forças foram e continuam de facto sendo o principal elemento de suporte da gestão violenta do político pelo medo com que, já só pela ostentação da força, a ditadura paralisa a sociedade.

De facto boa parte da sociedade só não avança mais contra a ditadura porque teme ser reprimida por essas forças que, todos sabemos bem, estão sob o comando do ditador através dos seus caciques militares. Mas esse temor, de facto, também está minguando e acabará por se extinguir o bastante para que acabe prevalecendo a capacidade de exigência de dignidade sem temor pela maioria da sociedade.

É previsível que a curto prazo o suporte castrense deixe de sustentar a ditadura. Esse desenvolvimento resultará do crescimento do campo da liberdade na sociedade angolana. Logo que se torne mais abrangente e milhões de angolanas e angolanos ousem tanto o verbo como o gesto contra a ditadura, verificar-se-á também o efeito libertário dessa atitude no seio das forças armadas e policiais do estado.

No momento em que se der essa alteração de atitude cidadã na maioria da sociedade angolana, as forças militares e policiais do estado angolano dividir-se-ão certamente e, a sua maioria - que também são o povo, pois dele emergem - passar-se-á para o lado do movimento anti ditadura da sociedade. Nesse domínio, no plano imediato, é previsível se não uma assumida desobediência à linha de comando ditatorial pelo menos o desenvolvimento dalgumas formas de escusa ao cumprimento de ordens para a repressão da sua sociedade pelos militares e policiais.

Os dirigentes, agentes e clientes das ditaduras, regra geral, tentam contrariar esse desenvolvimento político das sociedades que submetem, o que os leva quase sempre a desencadear espirais de violência de que no fim acabam sendo as principais vitimas, os vencidos, como nos foram demonstrando as histórias de tantas ditaduras desmontadas pelas sociedades que submetiam, com ou sem ajuda internacional.

O fim do túnel escuro de submissão da sociedade angolana à ditadura de José Eduardo dos Santos já é visível. Chegar lá, ao seu fim, ainda exigirá um grande esforço e sacrifícios que poderão ser pesados se, entretanto, os dirigentes da ditadura não abdicarem do poder por terem percebido que o seu regime é insustentável, que de nada lhes servirá incorrer em crimes contra a humanidade para adiarem o fim inevitável da ditadura.

*Luiz Araújo é ativista de direitos humanos em Angola.

**AS OPINIÕES DO ARTIGO ACIMA SÃO DO AUTOR(A) E NÃO REFLETEM NECESSARIAMENTE AS DO GRUPO EDITORIAL PAMBAZUKA NEWS.
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