Falando a verdade para a branquitude brasileira
Em 20 de novembro de cada ano, no Brasil, celebra-se o mês da Consciência Negra. Dia este que rememora a morte do líder quilombola Zumbi dos Palmares. Uma data que vem crescendo em importância no país na agenda de luta anti-racismo. Apesar de ser uma data importantíssima no calendário afro-brasileiro, aproximadamente 1.000 municípios já decretaram feriado, paradoxalmente, na cidade de Salvador da Bahia, considerada a capital da Diáspora Africana, a 6ª região da África, a efeméride ainda não tem o devido reconhecimento oficial.Isto devido ao fato de a luta racial no Brasil tomar proporções grandes, de modo que um reconhecimento oficial em forma de feriado seria, na mentalidade branca dominante, dar muito crédito ao povo negro.Mas isso irá mudar.
Em 20 de novembro de cada ano, no Brasil, celebra-se o mês da Consciência Negra. Dia este que rememora a morte do líder quilombola Zumbi dos Palmares. Uma data que vem crescendo em importância no país na agenda de luta anti-racismo. Apesar de ser uma data importantíssima no calendário afro-brasileiro, aproximadamente 1.000 municípios já decretaram feriado, paradoxalmente, na cidade de Salvador da Bahia, considerada a capital da Diáspora Africana, a 6ª região da África, a efeméride ainda não tem o devido reconhecimento oficial.
Financiado gentilmente pela organização Christian Aid, o Pambazuka em Língua Portuguesa tem dentre seus objetivos difundir dentre os leitores dos países de língua oficial portuguesa as lutas dos povos por justiça social, em todas as áreas de atuação dos diversos grupos e ativistas. Nesse sentido, o corpo editorial do semanário Pambazuka News organiza, pois, neste mês de novembro, uma edição especial dedicada exclusivamente ao debate sobre as Relações Raciais no Brasil, nas três línguas do jornal - inglês, francês e português. Entretanto, tanto na edição francesa quanto inglesa, a publicação será realizada em duas partes por questões técnicas.
Ao leitor desavisado, o tema pode parecer desgastado, ou mesmo estranho à imagem de país tropical, quesnte e mestiço. Contudo, uma análise um pouco mais detalhada da vida quotidiana neste país demonstraria com facilidade que este tema ainda muito caro ao povo brasileiro devido ao mito da cordialidade racial fundadora desta sociedade, que, paulatinamente, vem ocupando um lugar de destaque dentre as grandes potências econômicas do Sul global.
Escritores de diversos backgrounds foram convidados para enviar seus textos para compor a edição especial, tivemos a contribuição de ativistas políticos, pesquisadores, funcionários públicos de carreira, mulheres ativistas, artistas, estudantes, todos com reflexões relevantes para o conhecimento da causa.
Ivo de Santana, com seu texto cujo título traduz toda ironia como são tratados os negros que ascendem socialmente na Bahia, nos conduz a uma reflexão mais aprofundada sobre o serviço público e as vicissitudes de ser um negro que ascendeu para a chamada classe média brasileira; fato que, apesar do crescimento econômico, a barreira da cor da pele ainda é um entrave na ascenção profissional do indivíduo.
Já o geógrafo Sandro Correia, nos convida a uma reflexão sobre o Selo da Diversidade Étnico Racial em Salvador da Bahia, pois considera-o uma política pública que tem por objetivo inserir negros e negras no mercado de trabalho e com isso, os empresários que aderirem ao Selo estarão contribuindo para uma representatividade positiva dos afro-brasileiros em âmbito social. Sandro trata em seu texto também da motivação religiosa para a criação do selo.
Pegando o mote da III Conferência Nacional contra o racismo, a psicóloga Célia Prestes analisa com profundidade acadêmica e metodológica as consequências do racismo e do sexismo na vida de mulheres negras, pois não podemos falar em desenvolvimento amplo para o país, sem o desenvolvimento igualitário para as mulheres negras. Os desafios impõem às mulheres negras vulnerabilidades combinadas de gênero e de raça, onde a resiliência entra como fator preponderante para sua sobrevivência.
A professora Viviane Marcelino consagra seu texto à reflexão acerca da visibilidade das alunas negras no sistema escolar. Segundo a autora, os alunos negros são facilmente rotulados como indisciplinados e atrasados, mantidos muitas vezes confinados em salas especiais. Para a autora, o racismo não revelado é percebido através de atitudes que neutralizam a discriminação em nome da ordem pedagógica e disciplinarização do corpo negro jovem.
Os pesquisadores Márcio André e Maria Cláudia Cardoso escrevem sobre os dilemas enfrentados por movimentos sociais quando de sua institucionalização. Ambos elaboraram uma extensa reflexão sobre as consequências políticas da institucionalização dos movimentos sociais, em particular os Movimentos Negros no Brasil. Resultados positivos e negativos são alcançados quando da chamada “cooptação” dos movimentos pela máquina do Estado.
Num segundo texto sobre a implementação do ensino de história da África e do negro no Brasil, em referência direta a dupla de autores discute os percalços de implementação da lei 10.639/03 no sistema educacional brasileiro. Para os autores, a dificuldade na implementação da lei relaciona-se diretamente às concepções que os professores e os gestores escolares tem sobre as relações raciais e no forte enraizamento que o mito da democracia racial tem nas mentes, donde, a dificuldade de gerenciamento da multiculturalidade em sala de aula, deste modo, o racismo contribui para dificuldades de ensino aprendizagem além de baixa auto estima do aluno negro e não branco.
A jornalista Maíra Streit faz uma relevante contribuição sobre as graves consequências do racimo na infância. Buscando responder questões como: Como uma pessoa se torna racista? Quais consequências para o adulto que sofreu racismo quando era criança? A autora nos conduz por casos e mais casos de racismo que envolvem crianças, chegando à conclusão que nos pequeninos esses atos criminosos resultam em: baixo rendimento escolar, baixa auto-estima, sentimento de angustia e revolta, dificuldade de relacionamento e negação da própria imagem.
Liliane Braga debate em seu texto a presença da África nas artes da periferia de São Paulo. Segundo a autora, as expressões artísticas da periferia provêm de manifestações que integram a vida quotidiana, existe uma indissociação entre a vida diária e a vivência artística. Para a autora, o lugar do negro é fundamental para o crescimento de um pulsar artístico que se define como marginal. Hip hop, saurau literário, grupos de teatro e de contação de estórias são analisados em seu texto de modo a congregar uma visão de africanidade.
O autor Pablo Matos analisa de modo comparativo as relações raciais no Brasil através de uma observação do Caso Amarildo no Rio de Janeiro, o ajudante de pedreiro assassinado pela polícia carioca. Preto, pobre, favelado e trabalhador, o caso Amarildo transporta os significados das relações raciais no Brasil e potencializa, segundo o autor, a violência do nosso racismo quotidiano. Segundo Pablo, antes de ser ajudante de pedreiro, Amarildo era negro, e isso o vitimizou pela polícia violenta do Estado do Rio de Janeiro, estigmatizado territorialmente por ser morador de uma das maiores favelas da cidade. A análise detalhada do caso em questão revela uma cultura de violência que tortura e mata jovens negros, pobres e favelados.
Finalmente, a professora Patricia Teixeira traz uma breve contribuição sobre o racismo subjacente em nossa sociedade com relação a declarações feitas sobre as decisões do Ministro do STF, Joaquim Barbosa, homem negro que lidera a maior instituição de justiça neste país, referente ao caso de corrupção conhecido como Mensalão.
Pambazuka News deseja que esta edição especial exponha e desconstrua a falsa noção de que o Brasil seja uma harmonia racial. Nossa pobreza tem cor, afinal. Além disso, a população prisional bem como as estatísticas de jovens assassinados violentamente a cada dia por todo Brasil é uma realidade que devemos enfrentar e questionar. E trata-se de uma realidade que é integral para a ideologia global de uma suposta supremacia branca que também existe nos Estados Unidos, Europa, Nova Zelândia, Austrália e Reino Unido onde pessoas de ascendência africana – ou pessoas de cor, experimental disparidades raciais, e discriminação em saúde, educação e um sistema judicial injusto. Querendo ou não, nós precisamos questionar abertamente a branquitude, particularmente os privilégios brancos que se manifestam no Brasil e seus impactos que destroem a vida dos afro-brasileiros. Uma consciência nacional sobre a desumanização do povo negro e das consequências perniciosas do racismo para todos os Brasileiros continuará a ter um impacto se não for desafiado e erradicado.
*Alyxandra Gomes Nunes é co-editora do Pambazuka em Língua Portuguesa
*AS OPINIÕES DO ARTIGO ACIMA SÃO DA AUTORA E NÃO REFLETEM NECESSARIAMENTE AS DE TODO GRUPO EDITORIAL PAMBAZUKA NEWS.
* PUBLICADO POR PAMBAZUKA NEWS
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