Esta é uma obra de ficcção escrita por Cidinha Silva. Vale a leitura no contexto de uma nova legislação brasileira acerca do trabalho das domésticas.
__ Menina, quem vê cara não vê coração. Quem é que dá alguma coisa por esse songa-monga? Dizia uma vizinha à outra enquanto tomavam sol em frente ao condomínio e o vizinho comentado atravessava o pátio com sacolas de supermercado.
__ Mas ele está impossível, só ontem foram três.
__ Três? Que danado, costumavam ser duas.
__ Pois foram três, minha filha, três.
__ Em seguida?
__ Sim! Entrava uma e saía outra.
__ Então tá explicado. É o tempo de duração do Viagra que pode chegar a até quatro horas. Um amigo do meu marido comentou com ele.
__ Ah sim, deve ser. Cada uma fica menos de uma hora. Acho até que não acontece muita coisa, são tantos risinhos. Gemido que é bom, quase não ouço e quando aparece algum, é algo bem profissional, finalístico.
__ Sei, deve ser daquele tipo que finge o gozo pra acabar logo porque tá muito chato.
__ E também pra o cara achar que tá arrasando. Eles acreditam em tudo.
__ É, se ela caprichar tem chance dele chamar outra vez. E chamar é com ele mesmo. De onde será que sai o dinheiro?
__ Não sei, mas deve ser herança, porque desde que a mulher foi embora, parece que ele se aposentou e agora virou viciado em sexo. Quem diria, parecia um homem tão sério.
__ Sério? Vai saber menina. Nas condições em que a mulher foi embora, coisa boa ele não fez.
__ Ela foi embora, é? Eu ainda não morava aqui, me conta.
__ Ih, foi um babado forte. Os dois formavam um casal silencioso, não demonstravam amor, mas também não brigavam. Às vezes saiam juntos, mas ninguém os via conversando. Tinham uma filha de uns oito anos, quero dizer, têm, porque a menina continua viva. Uma noite de lua cheia, sem discussão, sem que ninguém ouvisse qualquer coisa vinda da casa deles, a mulher saiu com a criança e foi para a casa da irmã que mora no condomínio da frente.
__ Não brigaram?
__ Parece que não, pelo menos não ouvi nada. Vi apenas a menina dizendo "tchau papai", quando já estava na escada, o que quer dizer que ele as levou até a porta, sinal de delicadeza.
__ E ele?
__ Ele, o quê?
__ O que ele fez quando a filha deu tchau?
__ Não sei, não vi, só ouvi e fui imaginando o local onde as coisas aconteciam. Ele deve ter dado tchau pra ela também.
__ Sinistro!
__ Tem mais!
__ Mais o quê?
__ A mulher saiu com um colchão na cabeça, desses compridos, que não enrolam, sabe?
__ Tranqüilo, vai ver a irmã não tinha colchão pra visitas em casa, já era tarde e ela não queria dar trabalho.
__ Saiu com aquilo na cabeça, de mãos dadas com a menina. Nunca mais voltou, nem a menina, mesmo morando do outro lado da rua.
__ Estranho mesmo. E depois disso foi que ele caiu na depravação?
__ Sim! Antes era um senhor inofensivo, pacato.
__ Mas ele não é mais inofensivo? Dá em cima das mulheres do prédio? Assedia as meninas?
__ Não, não! Nesse aspecto, não. Mas é esquisito não é? Recebe garotas de programa em casa, dia sim, dia não. Na verdade, segundas, quartas e sextas.
__ Estranho mesmo.
__ Você precisa ver é ele ligando pra agência, diz sempre a mesma coisa.
__ Que coisa?
__ Pede que sejam carnudinhas, que venham com roupa discreta e sem maquiagem extravagante.
__ Só isso?
__ Só isso.
__ E são carnudinhas mesmo?
*Cidinha Silva é escritora e contribui para o site brasileiro Blogueiras Negras.
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