8 de fev. de 1012, por Tidiane Kassé, análise de “eleição”
A principal fraqueza do processo democrático na África está em vias de desestabilizar o Senegal. Como aconteceu recentemente no Togo, na Costa do Marfim ou na República Democrática do Congo, a corrida presidencial chegou numa das “democracias modelos” do continente, abrindo as linhas de fratura que impelem o país em direção de profundezas ainda insuspeitas
Depois de dois anos de contestação, pelos partidos de oposição, à candidatura do presidente Abdoulaye Wade a um terceiro mandato considerado inconstitucional, torna-se crescente a escalada da desconfiança popular. Uma desconfiança que explodiu no último 27 de janeiro, quando o Conselho Constitucional concedeu seu aval ao presidente e acabou por lhe permitir participar da eleição presidencial do próximo 26 de fevereiro. As manifestações ocorridas após uma reunião da oposição em Dakar fizeram uma morte entre as forças de segurança. E se a mesma instituição iniciar sua oposição contra os recursos dessa candidatura depois de 29 de janeiro tal iniciativa parecerá irreversivelmente tardia.
Doravante a confrontação violenta dos antagonismos, por muito tempo divisores do poder e da oposição senegalesa, parece destinada a rumar para seus desfechos. As imagens projetadas pelo Senegal remetem às dinâmicas insurrecionais que fizeram vacilar ou cair os regimes ditatoriais e antipopulares na África. A “escalada Wade” assim como a “escalada Ben Ali” se delineia a um ano. E um dos sistemas considerados entre os mais democráticos do continente, uma vez já citado como referência, cambaleia. O poder certamente não está nas ruas; as últimas válvulas de escape não funcionaram e o que flutua no ar não são os perfumes de uma alternativa revolucionária. Porém é certo que o Senegal acha-se longe de viver uma situação plenamente pacata geradora de uma nova ordem. Visto que sua amplitude e contornos tardam em se delinear, seus atores agem mais como portadores de palavras de ordem de mudanças do que de tendências rumo a uma verdadeira ruptura sistêmica.
No tangente à admissibilidade da candidatura Wade, os debates conduziram, depois de dois anos, todas as paixões intelectuais. Foi se apoiando sobre a interpretação de um texto da constituição bastante vago na sua formulação que o chefe de Estado senegalês se inspirou na lógica de se agarrar ao poder. Porém a imprecisão do texto do qual ele foi inspirador em 2001, um ano após sua chegada ao poder, não é grande o bastante para ocultar o abuso de autoridade (1). A postura adotada por Wade mal resiste à moral da palavra empenhada. Isso por que após sua eleição para um segundo mandato, em 2007, foi ele próprio quem afirmava, ante as mesmas disposições constitucionais hoje invocadas, haver chegado ao termo do seu percurso. Por haver “blindado” a constituição, afirmava ele, não lhe seria mais possível postular a um terceiro mandato.
Na cabeça do presidente senegalês germinava então a ideia de um retorno ao poder monárquico, depois que sua presença não fosse mais uma referência. Porém a omissão de seu filho Karim em se posicionar como um herdeiro em potencial desarticulou o processo. A extraordinária extensão de suas responsabilidades na gestão dos negócios de Estado (2) e o intenso marketing político que a acompanhou jamais foram suficientes para lhe dar a legitimidade política necessária.
Após essa falha em realizar o que Omar Bongo pôde fazer por seu filho, ou Eyadema pelo seu, Wade viu as alternativas de sucessão seguras se desintegrarem em torno de si. No Partido Democrático Senegalês (PDS) por ele dirigido líder algum de grande estatura pôde emergir sob sua pesada sobra tutelar. Esmagando as personalidades e autoridades, cortando as cabeças aptas e emergir, ele castrou as ambições que poderiam se afirmar e inibiu até as capacidades de expressão no terreno político. Os revoltados com essa situação também começaram a aumentar (3) e hoje se posicionam como adversários. Os aliados forçados a se agrupar em torno do seu partido, e de sua pessoa em particular, não pesam muito na mobilização política.
Aos 86 anos Wade busca assim novo mandato de cinco anos, tal como um boxeador se lança no “tudo ao nada” no combate. Isso por que, para ele, abdicar do poder sem deixar uma continuidade garantida, volta a abrir uma caixa de pandora. Os doze anos do regime de alternância por ele chefiados foram um longo reinado de má governança, de predação de bens públicos, de perversão das maneiras políticas, de enriquecimentos rápidos e injustificáveis como nos escândalos que, abrindo por fim as cortinas da república, pouparam poucas cabeças. A síndrome é muito profunda nas estradas do poder. Um ministro se permitiu afirmar publicamente: “Se nós perdermos o poder, iremos todos para a prisão”. Karim Wade, ante os importantes dossiês que ele gerou sem jamais prestar contas, faz parte daqueles dos quais mais se espera “explicações diante da História”.
Ao ver seu filho penar para se impor no cenário político, o Sr, Wade planejara no dia do desfile mais uma manipulação da Constituição, com o projeto de uma vice-presidência desenhada sob medida para abrir as portas do poder a Karim. Então o vento da revolta começou a soprar. Em 23 de junho de 2011, quando a Assembleia Nacional deveria votar o projeto de lei a esse respeito, uma manifestação organizada pela oposição diante da sede do Parlamento fez a República cambalear. As revoltas, inéditas em amplidão e intensidade das confrontações com as forças de segurança, lançaram Dakar num caos nunca visto. O tombar da escuridão trazendo o peso de uma noite incerta fez o presidente Wade retirar seu projeto de lei.
Duas conquistas políticas emergiram desse dia decisivo. Primeiramente o nascimento do M23 (Movimento 23 de junho) que confedera os partidos de oposição e as organizações da sociedade civil. Em segundo lugar a ocorreu a consolidação do Y en a marre, um movimento de contestação lançado por rappers, como uma força dinâmica e representativa de um ras-le-bol (saturação) que vai além dos jovens marcados pelas incertezas ante um futuro a construir para incendiar amplas camadas da sociedade. O objetivo do Y en a marre era o de promover um “novo tipo de senegalês” (NTS). O seu rosto se revelou ao mundo nesse 23 de junho de 2011, após nascimento violento mas também salutar.
Hoje o M23 cristaliza a contestação radical a uma terceira candidatura presidencial de Wade. As manifestações pacíficas por ele invocadas em 27 de fevereiro em Dakar, e que terminaram por se degenerar em violência (morte de um policial) se propagaram ao interior do país como uma linha de fogo, abrasando várias cidades. Elas prosseguiram nos dias seguintes, ocasionando duas mortes em Podor, cidade do norte do Senegal. Em 31 de janeiro o M23 ainda fez ressoar o apelo à convergência rumo a um ponto de convergência que começa a se tornar emblemático: a Praça do Obelisco. Os confrontos que se seguiram fizeram outros dois mortos, portanto o total de vítimas chega no mínimo a cinco.
A força desse movimento contestador estruturado no transcurso de vários meses reside no fato de que ela ultrapassa as capelas políticas no seio da oposição, e também no fato de que ela se apoia em organizações sólidas e em redes sociais bastante amplas, assim como surfa sobre uma revolta popular nutrida pela crise. Os segmentos representativos como os sindicatos lá existentes contribuem com a mobilização de greves regulares somadas à dinâmica contestadora.
O desafio para a oposição senegalesa é o de manter essa mobilização. As urgências podem também se modificar com a campanha eleitoral que decola a partir de 5 de fevereiro. Mesmo opostas à candidatura Wade, já validada pelo Conselho Constitucional, alguns partidos seguem a lógica de participar da campanha presidencial. O risco portanto é o de ver o principal ponto de contestação atual se tornar secundário. Uma vez lançadas nas iniciativas solitárias de campanha eleitoral as diferentes formações que fundaram o M23 verão suas afinidades se tornarem tensas ou se remperem. Assim os interesses políticos setoriais ameaçam embargar o caminho para as convergências que cimentaram o movimento. Já se viu os limites de unidade de ação no seio da oposição senegalesa quando se trata de procurar um candidato único para a corrida presidencial. Os acordos supostamente previsíveis se esfacelaram pelos motivos mais imponderáveis.
Assim o eleitoralismo arrisca tornar-se a principal ameaça a essa mobilização. A fragilidade do regime de Abdoulaye Wade, e a impressão de se estar frente a um regime que chega ao fim, potencializa as ambições políticas das partes envolvidas. Treze são os candidatos a terem visto seus dossiês validados pelo Conselho Constitucional para fazer frente ao atual presidente, e o único ponto de convergência entre eles é o de querer impedir sua participação na eleição. Mas sem dúvida os partidos não degradarão a campanha e tampouco se restringirão às formas atuais de protesto.
A fragilidade do regime Wade se acentua hoje à medida que Washington e Paris, as capitais ocidentais mais influentes, vêm se distanciando. Tanto de um lado quando do outro as pressões se fazem sutis e insistentes, nos escalões mais ou menos elevados, para forçar o presidente senegalês a desistir de concorrer a um terceiro mandato. O secretário adjunto de estado norte-americano, William Burns, se pronunciou nesse sentido por ocasião da reunião de cúpula da União Africana em Adis Abeba, ressaltando então: “Estamos preocupados com o fato de que a decisão do presidente Wade em solicitar um terceiro mandato (...) possa colocar em perigo a democracia, o desenvolvimento democrático e a estabilidade política que o Senegal construiu no continente no curso de decênios”.
Do lado de Paris o Ministério das Relações Exteriores publicou um comunicado para se declarar “extremamente preocupado com as atitudes exteriorizadas pelos membros do M23 e especialmente as de seu porta-voz, Alioune Tine, também presidente da União Africana pelos Direitos do Homem. (RADDHO), expressas sábado, 28 de janeiro (ele foi liberado em NDLR). Ante as várias prisões a França reafirma seu compromisso de respeito aos procedimentos judiciários e aos direitos de defesa. Nós condenamos, por princípio, toda a instrumentalização da justiça para fins políticos”.
Instrumentalização da justiça? Pode-se até falar da instrumentalização das instituições como um todo. Esse é um dos piores males dessa república que se desintegra. Algumas semanas antes dos exames dos dossiês dos candidatos à eleição presidencial, os membros do Conselho Constitucional acharam-se entre os beneficiários da generosidade financeira concedida pelo chefe de Estado, com uma indenização mensal de 5 milhões de francos (cerca de 7.600 euros), entre outros privilégios. Quaisquer que sejam as razões ou justificativas para tal decisão esse foi o presente mais errado no pior momento.
NOTAS
1) – A ambiguidade no nível constitucional apresenta essas duas vertentes: “Artigo 27º: A duração do mandato do Presidente da República é de sete anos. O mandato é renovável somente uma vez. Esta disposição não pode ser revisada senão por uma lei de referendo. Artigo 104º: O Presidente da República em função seguirá seu mandato até o seu termo. Todas as outras disposição da presente Constituição lhes são aplicáveis”.
2) – Após dirigir a Agência OCI, encarregada de grandes preparativos para os trabalhos da Organização da Conferência Islâmica em 1989 – gerando centenas de milhares de francos – ele em seguida nomeou o ministro da Cooperação Internacional, o de Transportes Aérios e o de Infraestrutura e Energia.
3) – Antigos primeiros ministros e pessoas influentes do PDS, Idrissa Seck e Macky Sall, dirigem partidos de oposição dentre os mais representativos de hoje. Além disso atuam também nas formações políticas da oposição.
* Tidiane Kassé é redator-chefe da edição francesa de Pambazuka News.
Senegal: O partido Y en a marre (isso é o bastante) fecha de novo sob Wade
8 de fev. de 1012, por Tidiane Kassé, análise de “eleição”
A principal fraqueza do processo democrático na África está em vias de desestabilizar o Senegal. Como aconteceu recentemente no Togo, na Costa do Marfim ou na República Democrática do Congo, a corrida presidencial chegou numa das “democracias modelos” do continente, abrindo as linhas de fratura que impelem o país em direção de profundezas ainda insuspeitas
Depois de dois anos de contestação, pelos partidos de oposição, à candidatura do presidente Abdoulaye Wade a um terceiro mandato considerado inconstitucional, torna-se crescente a escalada da desconfiança popular. Uma desconfiança que explodiu no último 27 de janeiro, quando o Conselho Constitucional concedeu seu aval ao presidente e acabou por lhe permitir participar da eleição presidencial do próximo 26 de fevereiro. As manifestações ocorridas após uma reunião da oposição em Dakar fizeram uma morte entre as forças de segurança. E se a mesma instituição iniciar sua oposição contra os recursos dessa candidatura depois de 29 de janeiro tal iniciativa parecerá irreversivelmente tardia.
Doravante a confrontação violenta dos antagonismos, por muito tempo divisores do poder e da oposição senegalesa, parece destinada a rumar para seus desfechos. As imagens projetadas pelo Senegal remetem às dinâmicas insurrecionais que fizeram vacilar ou cair os regimes ditatoriais e antipopulares na África. A “escalada Wade” assim como a “escalada Ben Ali” se delineia a um ano. E um dos sistemas considerados entre os mais democráticos do continente, uma vez já citado como referência, cambaleia. O poder certamente não está nas ruas; as últimas válvulas de escape não funcionaram e o que flutua no ar não são os perfumes de uma alternativa revolucionária. Porém é certo que o Senegal acha-se longe de viver uma situação plenamente pacata geradora de uma nova ordem. Visto que sua amplitude e contornos tardam em se delinear, seus atores agem mais como portadores de palavras de ordem de mudanças do que de tendências rumo a uma verdadeira ruptura sistêmica.
No tangente à admissibilidade da candidatura Wade, os debates conduziram, depois de dois anos, todas as paixões intelectuais. Foi se apoiando sobre a interpretação de um texto da constituição bastante vago na sua formulação que o chefe de Estado senegalês se inspirou na lógica de se agarrar ao poder. Porém a imprecisão do texto do qual ele foi inspirador em 2001, um ano após sua chegada ao poder, não é grande o bastante para ocultar o abuso de autoridade (1). A postura adotada por Wade mal resiste à moral da palavra empenhada. Isso por que após sua eleição para um segundo mandato, em 2007, foi ele próprio quem afirmava, ante as mesmas disposições constitucionais hoje invocadas, haver chegado ao termo do seu percurso. Por haver “blindado” a constituição, afirmava ele, não lhe seria mais possível postular a um terceiro mandato.
Na cabeça do presidente senegalês germinava então a ideia de um retorno ao poder monárquico, depois que sua presença não fosse mais uma referência. Porém a omissão de seu filho Karim em se posicionar como um herdeiro em potencial desarticulou o processo. A extraordinária extensão de suas responsabilidades na gestão dos negócios de Estado (2) e o intenso marketing político que a acompanhou jamais foram suficientes para lhe dar a legitimidade política necessária.
Após essa falha em realizar o que Omar Bongo pôde fazer por seu filho, ou Eyadema pelo seu, Wade viu as alternativas de sucessão seguras se desintegrarem em torno de si. No Partido Democrático Senegalês (PDS) por ele dirigido líder algum de grande estatura pôde emergir sob sua pesada sobra tutelar. Esmagando as personalidades e autoridades, cortando as cabeças aptas e emergir, ele castrou as ambições que poderiam se afirmar e inibiu até as capacidades de expressão no terreno político. Os revoltados com essa situação também começaram a aumentar (3) e hoje se posicionam como adversários. Os aliados forçados a se agrupar em torno do seu partido, e de sua pessoa em particular, não pesam muito na mobilização política.
Aos 86 anos Wade busca assim novo mandato de cinco anos, tal como um boxeador se lança no “tudo ao nada” no combate. Isso por que, para ele, abdicar do poder sem deixar uma continuidade garantida, volta a abrir uma caixa de pandora. Os doze anos do regime de alternância por ele chefiados foram um longo reinado de má governança, de predação de bens públicos, de perversão das maneiras políticas, de enriquecimentos rápidos e injustificáveis como nos escândalos que, abrindo por fim as cortinas da república, pouparam poucas cabeças. A síndrome é muito profunda nas estradas do poder. Um ministro se permitiu afirmar publicamente: “Se nós perdermos o poder, iremos todos para a prisão”. Karim Wade, ante os importantes dossiês que ele gerou sem jamais prestar contas, faz parte daqueles dos quais mais se espera “explicações diante da História”.
Ao ver seu filho penar para se impor no cenário político, o Sr, Wade planejara no dia do desfile mais uma manipulação da Constituição, com o projeto de uma vice-presidência desenhada sob medida para abrir as portas do poder a Karim. Então o vento da revolta começou a soprar. Em 23 de junho de 2011, quando a Assembleia Nacional deveria votar o projeto de lei a esse respeito, uma manifestação organizada pela oposição diante da sede do Parlamento fez a República cambalear. As revoltas, inéditas em amplidão e intensidade das confrontações com as forças de segurança, lançaram Dakar num caos nunca visto. O tombar da escuridão trazendo o peso de uma noite incerta fez o presidente Wade retirar seu projeto de lei.
Duas conquistas políticas emergiram desse dia decisivo. Primeiramente o nascimento do M23 (Movimento 23 de junho) que confedera os partidos de oposição e as organizações da sociedade civil. Em segundo lugar a ocorreu a consolidação do Y en a marre, um movimento de contestação lançado por rappers, como uma força dinâmica e representativa de um ras-le-bol (saturação) que vai além dos jovens marcados pelas incertezas ante um futuro a construir para incendiar amplas camadas da sociedade. O objetivo do Y en a marre era o de promover um “novo tipo de senegalês” (NTS). O seu rosto se revelou ao mundo nesse 23 de junho de 2011, após nascimento violento mas também salutar.
Hoje o M23 cristaliza a contestação radical a uma terceira candidatura presidencial de Wade. As manifestações pacíficas por ele invocadas em 27 de fevereiro em Dakar, e que terminaram por se degenerar em violência (morte de um policial) se propagaram ao interior do país como uma linha de fogo, abrasando várias cidades. Elas prosseguiram nos dias seguintes, ocasionando duas mortes em Podor, cidade do norte do Senegal. Em 31 de janeiro o M23 ainda fez ressoar o apelo à convergência rumo a um ponto de convergência que começa a se tornar emblemático: a Praça do Obelisco. Os confrontos que se seguiram fizeram outros dois mortos, portanto o total de vítimas chega no mínimo a cinco.
A força desse movimento contestador estruturado no transcurso de vários meses reside no fato de que ela ultrapassa as capelas políticas no seio da oposição, e também no fato de que ela se apoia em organizações sólidas e em redes sociais bastante amplas, assim como surfa sobre uma revolta popular nutrida pela crise. Os segmentos representativos como os sindicatos lá existentes contribuem com a mobilização de greves regulares somadas à dinâmica contestadora.
O desafio para a oposição senegalesa é o de manter essa mobilização. As urgências podem também se modificar com a campanha eleitoral que decola a partir de 5 de fevereiro. Mesmo opostas à candidatura Wade, já validada pelo Conselho Constitucional, alguns partidos seguem a lógica de participar da campanha presidencial. O risco portanto é o de ver o principal ponto de contestação atual se tornar secundário. Uma vez lançadas nas iniciativas solitárias de campanha eleitoral as diferentes formações que fundaram o M23 verão suas afinidades se tornarem tensas ou se remperem. Assim os interesses políticos setoriais ameaçam embargar o caminho para as convergências que cimentaram o movimento. Já se viu os limites de unidade de ação no seio da oposição senegalesa quando se trata de procurar um candidato único para a corrida presidencial. Os acordos supostamente previsíveis se esfacelaram pelos motivos mais imponderáveis.
Assim o eleitoralismo arrisca tornar-se a principal ameaça a essa mobilização. A fragilidade do regime de Abdoulaye Wade, e a impressão de se estar frente a um regime que chega ao fim, potencializa as ambições políticas das partes envolvidas. Treze são os candidatos a terem visto seus dossiês validados pelo Conselho Constitucional para fazer frente ao atual presidente, e o único ponto de convergência entre eles é o de querer impedir sua participação na eleição. Mas sem dúvida os partidos não degradarão a campanha e tampouco se restringirão às formas atuais de protesto.
A fragilidade do regime Wade se acentua hoje à medida que Washington e Paris, as capitais ocidentais mais influentes, vêm se distanciando. Tanto de um lado quando do outro as pressões se fazem sutis e insistentes, nos escalões mais ou menos elevados, para forçar o presidente senegalês a desistir de concorrer a um terceiro mandato. O secretário adjunto de estado norte-americano, William Burns, se pronunciou nesse sentido por ocasião da reunião de cúpula da União Africana em Adis Abeba, ressaltando então: “Estamos preocupados com o fato de que a decisão do presidente Wade em solicitar um terceiro mandato (...) possa colocar em perigo a democracia, o desenvolvimento democrático e a estabilidade política que o Senegal construiu no continente no curso de decênios”.
Do lado de Paris o Ministério das Relações Exteriores publicou um comunicado para se declarar “extremamente preocupado com as atitudes exteriorizadas pelos membros do M23 e especialmente as de seu porta-voz, Alioune Tine, também presidente da União Africana pelos Direitos do Homem. (RADDHO), expressas sábado, 28 de janeiro (ele foi liberado em NDLR). Ante as várias prisões a França reafirma seu compromisso de respeito aos procedimentos judiciários e aos direitos de defesa. Nós condenamos, por princípio, toda a instrumentalização da justiça para fins políticos”.
Instrumentalização da justiça? Pode-se até falar da instrumentalização das instituições como um todo. Esse é um dos piores males dessa república que se desintegra. Algumas semanas antes dos exames dos dossiês dos candidatos à eleição presidencial, os membros do Conselho Constitucional acharam-se entre os beneficiários da generosidade financeira concedida pelo chefe de Estado, com uma indenização mensal de 5 milhões de francos (cerca de 7.600 euros), entre outros privilégios. Quaisquer que sejam as razões ou justificativas para tal decisão esse foi o presente mais errado no pior momento.
NOTAS
1) – A ambiguidade no nível constitucional apresenta essas duas vertentes: “Artigo 27º: A duração do mandato do Presidente da República é de sete anos. O mandato é renovável somente uma vez. Esta disposição não pode ser revisada senão por uma lei de referendo. Artigo 104º: O Presidente da República em função seguirá seu mandato até o seu termo. Todas as outras disposição da presente Constituição lhes são aplicáveis”.
2) – Após dirigir a Agência OCI, encarregada de grandes preparativos para os trabalhos da Organização da Conferência Islâmica em 1989 – gerando centenas de milhares de francos – ele em seguida nomeou o ministro da Cooperação Internacional, o de Transportes Aérios e o de Infraestrutura e Energia.
3) – Antigos primeiros ministros e pessoas influentes do PDS, Idrissa Seck e Macky Sall, dirigem partidos de oposição dentre os mais representativos de hoje. Além disso atuam também nas formações políticas da oposição.
* Tidiane Kassé é redator-chefe da edição francesa de Pambazuka News.
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