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Cabo Verde escolheu um novo presidente nas últimas eleições, uma das mais competitivas dos últimos anos e que terá grandes implicações na governança do país que é tido como exemplo de democracia para as nações africanas modernas. Cláudio Furtado argumenta que essa eleição teve como grande especificidade o fato de haver quatro candidatos todos com capacidade de vitória no pleito e de o principal partido PAICV ter sua liderança atribulada nesta eleição.

Eleições Presidenciais em Cabo Verde: As mais competitivas de sempre e com implicações profundas na governação

Cabo Verde escolherá no próximo dia 7 de Agosto o Presidente da República que substituirá o Comandante Pedro Pires que termina o seu segundo e último mandato. Uma das especificidades destas eleições reside no fato de ser a primeira em que quatro candidatos, sendo três com reais possibilidades de vitória, se apresentam aos eleitores. A segunda especificidade são as implicações dessas eleições na liderança do PAICV e na governação do país, independentemente de quem seja o vencedor das eleições.

Cabo Verde vive neste momento o sexto período de campanha eleitoral para escolha do Presidente da República desde 1991, altura em que, no país, se instaurou o multipartidarismo e, por conseguinte, a possibilidade de eleições competitivas. Nas cinco eleições anteriores, apenas dois candidatos, apoiados pelos dois grandes partidos políticos o PAICV (Partido Africano da Independência de Cabo Verde) e MPD (Movimento para a Democracia), se apresentaram às eleições. De igual modo, até o presente momento todos os presidentes da república eleitos cumpriram dois mandatos fixados pela Constituição da República.

Nas eleições presidenciais de 2011 quatro candidatos estão em disputa, sendo dois apoiados pelos principais partidos políticos, um apoiado pela terceira força política com representação parlamentar, a UCID (União Cabo-verdiana Independente e Democrática), e uma “dissidência” do PAICV e o quarto candidato que não conta com qualquer suporte partidário.

Manuel Inocêncio Sousa, antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros e das Infra-estruturas e Transportes dos dois últimos governos liderados pelo actual Primeiro Ministro, José Maria Neves, é o candidato apoiado pelo PAICV. Jorge Carlos Fonseca, antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros do primeiro governo liderado por Carlos Veiga, nos anos noventa do século passado, conta com o apoio do MPD. Já Aristides Raimundo Lima, antigo Presidente do Parlamento cabo-verdiano, nas duas últimas legislaturas, pode ser considerado um candidato dissidente do PAICV e que conta com o apoio da UCID. Finalmente, Joaquim Jaime Monteiro, antigo militante do PAIGC ( Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde), único que não conta com o apoio de nenhum dos partidos políticos existentes.
A crer pelas sondagens que as diversas candidaturas têm patrocinado, existe uma grande probabilidade de, pela primeira vez, se vir a ter uma segunda volta nas eleições opondo os dois candidatos mais votados nas eleições do dia 7 de Agosto. O certo é que, impreterivelmente, no dia 21 de Agosto os cabo-verdianos escolherão o próximo inquilino do Palácio Presidencial do Plateau.

Se no MPD, a escolha de Jorge Carlos Fonseca foi relativamente tranquila, apesar de Amílcar Spencer Lopes ter pleiteado o apoio desse partido e alguns apoiantes seus terem questionado, inclusive no Conselho de Jurisdição, a legalidade do processo que conduziu à formalização do apoio ao candidato oficial, no PAICV, a decisão do Conselho Nacional abriu feridas que dificilmente serão saradas.

Impactos políticos internos no PAICV

Com efeito, a escolha do candidato oficial do PAICV foi particularmente tensa e a campanha eleitoral tem mostrado que as consequências das eleições presidenciais para esse partido que, recentemente, venceu as eleições parlamentares e iniciou o seu terceiro mandato de governação, serão significativas quaisquer que sejam os resultados eleitorais.

Na verdade, no espectro ideológico do PAICV- social-democracia- dois candidatos estão presentes: Manuel Inocêncio Sousa, apoiado oficial e formalmente pelo PAICV e Aristides Raimundo Lima, oficialmente apoiado pela UCID e por alguns importantes dirigentes do PAICV, pela quase totalidade dos antigos combatentes e por pessoas próximas do Presidente da República cessante, Pedro Pires.
Esta situação tem conduzido, no decorrer da campanha, ao aumento progressivo de discursos e debates acalorados, não raras vezes com afirmações insinuosas sobre a vida do partido, e que indiciam o princípio de uma “cisão” interna no PAICV. Aliás, o actual Primeiro-Ministro, José Maria Neves, Presidente do PAICV, já afirmou que irá, depois das eleições, convocar um Congresso extraordinário para clarificar, deduz-se, a questão da liderança.

A nível interno do PAICV, trata-se, pois, de uma “aparente” antecipação da disputa pela liderança, uma vez que o actual Presidente declarara, depois das eleições parlamentares de Fevereiro do corrente ano, que se retiraria da liderança depois de 2015. Assim, uma das leituras possíveis é a de que o grupo interno, ou como referem os estatutos desse partido, a “tendência política” existente e que tradicionalmente se opõe ao actual líder tendo como face mais visível o antigo Presidente da Câmara Municipal da Praia e actual Ministro da Família e do Desenvolvimento Social, Felisberto Vieira, mas a que também se liga o actual Presidente da República e seus próximos quer construir antecipadamente um jogo de xadrez que lhe seria favorável em meados de 2014. Neste quadro, continuar a manter na Presidência da República alguém próximo ao grupo constitui uma estratégia fundamental para contrabalançar o poder do Primeiro-ministro José Maria Neves que, no primeiro round, conseguiu emplacar na Presidência do Parlamento alguém que lhe é próximo, o Deputado Basílio Ramos.

Neste quadro, a aposta na candidatura de Aristides Lima seria a mais adequada, uma vez que o antigo Presidente do Parlamento pertenceria à mesma “tendência política” dos demais oposicionistas internos da actual liderança e vinha, há anos, construindo sua imagem de candidato presidencial. Ademais, dizem alguns observadores que a gestão que fez do Parlamento se baseou numa estratégia de se colocar equidistante do Governo tendo, por vezes, tomado decisões que contrariavam o Governo e o Grupo Parlamentar que sustenta o Governo.

Acontece, porém, que, uma vez mais, e num segundo round, o grupo voltou a perder. Desta feita na disputa interna ao PAICV pelo apoio formal do candidato a ser apoiado. A Direcção Nacional do PAICV decidiu, por maioria dos membros, apoiar a candidatura do antigo Ministro de Estado e das Infra-estruturas, Manuel Inocêncio Sousa, considerado também um próximo do actual Primeiro-ministro.
É neste quadro que Aristides Lima constrói a sua candidatura á revelia dos órgãos de decisão do PAICV, contando com importantes apoios de dirigentes actuais e históricos desse Partido para além de personalidades importantes da sociedade civil. É, pois, um cisma político importante que pode, pela primeira vez, levar a decisão das eleições presidenciais para uma segunda volta, entre os dois mais votados.
A grande incógnita neste momento é, havendo uma segunda volta, quais serão os dois candidatos que se enfrentarão no embate final. Para Aristides Lima, que nos últimos dias, e pela primeira vez, pediu aos eleitores a sua escolha no primeiro turno, algo pouco verosímil, a passagem à segunda volta é a quase certeza da vitória, independente do corrente. Com efeito, nesse cenário, se vier a enfrentar Jorge Carlos Fonseca assegurará o voto dos eleitores de Manuel Inocêncio Sousa. Se o adversário for Manuel Inocêncio contará com o suporte dos eleitores de Jorge Carlos Fonseca. Para Jorge Carlos Fonseca, um eventual segundo turno não interessaria em absoluto, independentemente do oponente. Finalmente, para Manuel Inocêncio lhe interessaria apenas defrontar Jorge Carlos Fonseca, na certeza de contar com os votos dos eleitores de Aristides Lima. Joaquim Monteiro não parece ter qualquer chance nesta disputa eleitoral.

A Diáspora

Nas duas últimas eleições presidenciais, os eleitores cabo-verdianos na emigração foram cruciais na vitória de Pedro Pires. Os dados eleitorais mostraram que, no país, Carlos Veiga, então candidato presidencial, ganhou as eleições sendo, contudo, derrotado de forma expressiva na diáspora o que, no cômputo total dos votos, permitiu a eleição de Pedro Pires.
Nas actuais eleições presidenciais, tendo em conta o número de candidatos, a diáspora terá também um papel importante na decisão final. É, por isso, que os três candidatos com maiores probabilidades de serem eleitos, fizeram uma pré-campanha importante, visitando vários países onde a comunidade cabo-verdiana é expressiva. Portugal, França, Holanda e Itália, na Europa, e Estados Unidos da América são importantes neste embate eleitoral, acrescentando alguns países africanos como o Senegal, S. Tomé e Príncipe e Angola.

Implicações para a governação

Qualquer que seja o resultado das eleições presidenciais, o actual governo estará em crise. Com efeito, no que diz respeito ao PAICV, partido que sustenta politica e parlamentarmente, o actual governo, as eleições presidenciais se transformaram numa campanha antecipada para as eleições do líder do Partido. O facto do actual Primeiro- Ministro e Presidente do PAICV ter dito que o actual mandato será o último, parece ter despoletado interesses vários, nomeadamente de Felisberto Vieira, Presidente da mais importante região política do PAICV, a saber Santiago Sul. Este mobilizou todos os seus apoiantes à volta da candidatura de Aristides Lima, tendo pronunciado discursos fortes nos comícios eleitorais. Sendo Felisberto Vieira, membro do Governo, dificilmente, conseguirá coabitar com o Primeiro-Ministro. Aliás, algumas informações feitas circular apontam para importantes clivagens entre o Primeiro- Ministro e seu Ministro de Desenvolvimento Social e Família, com discussões acaloradas no Conselho de Ministros. Esta é a primeira crise.

A segunda crise se encontra no Parlamento. O PAICV dispõe de uma maioria absoluta, contando mais quatro mandatos que o MPD. Porém, de entre os deputados do PAICV, um número não negligenciável é constituído por fiéis a Felisberto Vieira e apoiantes declarados e assumidos de Aristides Lima. Júlio Correia, Vice-Presidente do Parlamento, Sidónio Monteiro, Arnaldo Andrade fazem parte deste grupo, a que se acrescentam outros. Neste cenário, o PAICV corre o risco de deixar de ter a maioria parlamentar, colocando em perigo a estabilidade política e governativa.

A la limite, não se pode deixar de apontar a possibilidade da queda do governo e, por conseguinte, eleições antecipadas. Cenário possível, eventualmente pouco provável porque não parece que interessa aos opositores internos do actual Primeiro-Ministro a queda do governo e a convocação de eleições antecipadas que desgastaria do PAICV e poderia levar ao regresso do MPD ao poder. O instinto de sobrevivência, a salvaguarda dos interesses pessoais e de grupo podem falar mais alto.

As eleições de 7 de Agosto ou, eventualmente, de 21 de Agosto determinarão o próximo inquilino do Palácio do Plateau bem como os rumos do terceiro mandato governativo de José Maria Neves como Chefe de Governo.

*Cláudio Furtado é pesquisador caboverdiano e professor visitante no Centro de Estudos Afro Orientais da Bahia http://www.pambazuka.org