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O Brasil acabou de eleger a primeira mulher presidenta, alguém com uma história de luta na esquerda, porém, neste artigo, Silva analisa os primeiros silêncios do governo Dilma, embora este seja promissor de uma determinada continuidade social e liberal.

De Dilma Rousseff em seu primeiro discurso como presidente da República: "Não haverá discriminação, privilégios ou compadrio". Suas primeiras palavras e os primeiros gestos geraram as controvérsias iniciais, de algumas das quais me ocupo neste pequeno texto.

Ela prefere ser chamada "presidenta", como a si mesma se referiu no primeiro discurso e como está agora escrito na placa do carro presidencial: "Presidenta da República".

Criou, assim, a primeira ambiguidade lexical, pois presidente não pode ser a mulher do presidente. Só pode ser a presidente. E presidenta designa também a mulher do presidente, como atestam três dos dicionários mais consultados do Brasil, Aurélio,Houaiss e Aulete Digital, no verbete "presidenta".

Não está errada a denominação "presidenta". Mas na urna eletrônica estava escrito "presidente". Ela foi recebida no Brasil profundo como "a muié do Lula", por isso a ambiguidade foi reforçada e tem seu peso no significado da designação escolhida. Claro que nossa presidente quis com isso reforçar o gênero: foi a primeira vez que o povo elegeu uma mulher para presidente da República. E lhe coube esta honra.

Tem havido uma luta em favor da ampliação dos gêneros, antes confinados a masculino e feminino. No campo minado desses combates ideológicos, houve avanços indispensáveis nas denominações vinculadas aos gêneros, mas tem havido também muita bobagem. Nenhum guarda até hoje quis ser chamado de "guardo" nem estudante quis chamar-se de "estudanta" ou motorista de "motoristo" etc.

Má estratégia

Discursos políticos devem preferir a conversa clara, o trato justo e evitar as ambiguidades, sejam lexicais ou estruturais, que são bons recursos para um romancista como o seu conterrâneo João Guimarães Rosa, a quem Dilma chamou "poeta", e de quem, sem citar o nome do autor, incrustou pequeno trecho. Foi poeta medíocre, mas narrador genial, e é referência solar de nossas letras com o único romance que escreveu, Grande Sertão: Veredas, e com as narrativas curtas e médias, onde encontramos textos antológicos, como O burrinho pedrês e A terceira margem do rio, entre dezenas de outros contos, muitos deles marcados pela sabedoria dos animais. Por exemplo: o cavalo entra em lugar de onde não pode sair, mas o burro, não! Por isso, o burrinho pedrês salva a vida de um bêbado e de um desesperado.

A presidente tomou posse na capital que Juscelino Kubitscheck construiu e de onde João Goulart foi escorraçado do poder pelo golpe de 1964. Proclamou que não tem "ressentimento ou rancor". Suas palavras iniciais, gestos e primeiros silenciamentos dizem o contrário, pois só se referiu a Lula, sem reconhecer os méritos de Itamar Franco e de FHC, que arrumaram o país que Sarney e Collor, aliados dela e de Lula, esculhambaram.

É meu dever de intelectual apontar essas contradições, correndo o risco de ser entendido por poucos. O apagamento dos outros não é boa estratégia para firmar-se. Como ensinou Michel Foucault, "não há relação de poder entre sujeitos livres".

*Deonísio Silva é escritor e contribui para o Observatório da Imprensa.

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