Os rolezinhos não são um movimento de protesto racial, nem têm um objetivo, uma bandeira única. Eles são manifestações de uma geração de jovens cujas expectativas têm sido sucessivamente fraudadas pelos governantes e que não se reveem, em geral, na classe política que conduz os destinos do Brasil.
A moda do rolezinho parece estar a incomodar a classe política brasileira. Os encontros de jovens, muitos deles oriundos de bairros da periferia das grandes capitais, prometem agitar políticos, polícias e as páginas dos jornais nos próximos tempos.
Um movimento inicialmente despolitizado, participado por jovens de boné, jeans e t-shirts de baixo custo, aparentemente sem convicções políticas e ideológicas consequentes, que se mobilizam por mensagens na internet para encontros em shopping centers - o chamado rolezinho - está a ser empurrado para um protagonismo que os próprios estavam longe de adivinhar.
O movimento teve origem em São Paulo, em finais do ano passado, e pode alastrar a outras cidades. Essa foi a resposta dos "funkeiros" à proibição decretada pela Prefeitura de se exibirem nas ruas. Os "rolezinhos" começaram a ser reprimidos pelos seguranças dos shoppings e pela polícia. Alguns jovens foram detidos sob a acusação de desacato e hoje eles dizem que se trata de uma forma de protesto contra a discriminação, pela indumentária ou pela cor da pele, de que são alvo nos espaços comerciais mais sofisticados das áreas ricas.
A irreverência desses jovens traz em si mesma as sementes do descontentamento de uma geração com poucas perspectivas, numa sociedade gerida por um sistema que fomenta a competitividade irracional e a desigualdade econômica e social. Uma sociedade que já não consegue dar resposta às expectativas que ela própria gera.
Há dias, o ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, lançou o alerta: "Não considero a repressão o melhor caminho, porque tudo o que for feito nessa linha vai ser como colocar gasolina no fogo". O homem do Planalto especializado em tentar apagar incêndios sociais disse o que alguns outros políticos tinham recomendado antes, como, por exemplo, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que afirmou, com desejável sensatez, que o recurso à repressão policial só seria usado se houvesse violação das leis. Resumindo: prudência parece ser a palavra de ordem.
Mas sensatez parece ser palavra desconhecida por alguns setores ligados ao governo, amantes do modelo social e cultural norte-americano, profundamente discriminatório, que procuram reduzir as manifestações dos jovens a protestos de índole racial, criando artificialmente novos focos de tensão em benefício político próprio e com prejuízo da luta mais geral contra as desigualdades econômicas e sociais, que atingem milhões de deserdados, de diferentes raças e etnias.
Os rolezinhos não são um movimento de protesto racial, nem têm um objetivo, uma bandeira única. Eles são manifestações de uma geração de jovens cujas expectativas têm sido sucessivamente fraudadas pelos governantes e que não se reveem, em geral, na classe política que conduz os destinos do país. Qualquer semelhança com os protestos que incendiaram o país em meados do ano passado não é pura coincidência.
Os shoppings são espaços públicos e não podem, obviamente, impedir a liberdade de circulação, condicionar o acesso a esses espaços. Os rolezinhos, por seu turno, não podem prejudicar o direito de ir e vir de quem frequenta os shoppings ou, de algum modo, limitar a liberdade de comerciar dos lojistas.
2014 promete ser um ano animado, com muitos rolezinhos, muito futebol, muita demagogia e muitas eleições. Se alguma coisa vai realmente mudar é que não me atrevo a adivinhar. As grandes mudanças, fundamentais, de que o Brasil tanto carece, como as reformas política, partidária e tributária, continuam adiadas.
*Helder Castro contribui para o África 21, de onde este texto foi retirado orginalmente.
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* PUBLICADO POR PAMBAZUKA NEWS
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