No livro “Caçadas de Pedrinho”, o escritor Monteiro Lobato, um adepto confesso da Eugenia (termo criado por Francis Galton, para designar a pureza racial que desembocou no nazismo) se refere aos personagens negros como “macaca de carvão”, “carne preta”, “urubu fedorento”, entre outros termos depreciativos.
No livro “Caçadas de Pedrinho”, o escritor Monteiro Lobato, um adepto confesso da Eugenia (termo criado por Francis Galton, para designar a pureza racial que desembocou no nazismo) se refere aos personagens negros como “macaca de carvão”, “carne preta”, “urubu fedorento”, entre outros termos depreciativos.
Para coibir esse veneno destilado diariamente – e que atinge, especialmente, as crianças negras – destruindo sua auto-estima...
o Conselho Nacional de Educação, por iniciativa da professora Nilma Lino Gomes, aprovou parecer com a seguinte recomendação:
a) não distribuição de livros desse tipo, inclusive os de Lobato, no PNBE - Programa Nacional Biblioteca na Escola - do MEC; b) em havendo a distribuição, obrigar as editoras a acrescentarem Nota Explicativa sobre os valores vigentes e o contexto da época em que foram escritos.
É o mínimo, como se vê.
Não para o deputado Aldo Rebelo, que é contra ações afirmativas e acha que cota para negros é coisa de americano. Para o nobre deputado, referir-se a negros como “macaca de carvão”, “carne preta”, “urubu fedorento” nada significa para os 51,3% da população brasileira; que denunciar essa apologia descarada do racismo, pedindo que tais livros tenham pelo menos tenham uma Nota Explicativa na apresentação sobre o contexto histórico em que foram escritos é “instalar no Brasil um tribunal literário”.
Incomodado com a recomendação, em artigo para a Folha de S. Paulo (Folha, 07/11), ele chama o parecer de “disparate. À vontade no papel de novo paladino do mito da democracia racial, chega a fazer ironia de que se “o disparate prosperar, nenhuma grande obra será lida por nossos estudantes, a não ser que aguilhoada pela restrição da "nota explicativa" - a começar da Bíblia, com suas numerosas passagens acerca da "submissão da mulher".
Não consta que o deputado seja leitor da Bíblia, ainda que neste país atípico, comunistas - conceitualmente ateus - frequentemente, dependendo do local em que se encontram e das platéias às quais se dirigem, sejam surpreendidos com o “graças a Deus”, mais próprio na boca de cristãos e católicos, vale dizer, teístas.
O parecer da professora Nilma Lino – aprovado pela unanimidade dos conselheiros do Conselho Nacional de Educação - nada mais faz do que pedir que a Coordenação Geral de Material Didático do MEC cumpra os critérios por ela mesma estababelecidos na avaliação dos livros indicados para o PNBE, de que os mesmos "devem primar pela ausência de preconceitos e estereótipos”.
Também não se trata de censura como uma certa mídia, tão apressada quanto ignorante, propagandeou, afoita em ressuscitar fantasmas e em atribuir a nós negros, além da pecha de responsáveis pelo racismo como fez desde sempre, agora também a de censores.
Que a mídia mais conservadora (que o deputado na defesa do Governo do qual faz parte acusa frequentemente de integrar o PIG - Partido da Imprensa Golpista) pretenda transformar vítimas em réus, mas uma vez, nada de novo. Está no seu papel, embora se pudesse julgar que lançasse mão de argumentos, digamos, menos estúpidos.
Agora que isso parta de alguém que se proclama de esquerda e um dos líderes e dirigentes do Partido Comunista do Brasil, diz muito do momento em que vivemos de total e completa inversão de valores; de generalizada confusão política e ideológica em que nada parece ser o que é, ou aparenta; em que esquerda e direita trocam propositadamente de lugar para confundir a platéia, mas todos se posicionam absolutamente afinados na defesa dos interesses do grande capital.
Pretender que as crianças não sejam envenenadas pela apologia do racismo tem, no dizer de Aldo Rebelo, “caráter pernicioso”. Na sua profissão de fé, de óbvio racismo requentado, decreta que a iniciativa do Conselho Nacional de Educação não “tem sequer a graça da originalidade, pois é imitação servil dos Estados Unidos, país por séculos institucionalmente racista que hoje procura maquiar sua bipolaridade étnica com ações afirmativas”.
Para o deputado, os EUA é um país racista, mas o Brasil não. O racismo, como sempre, é do outro, está do outro lado, bem longe de nós, na América do Norte. “É coisa do imperialismo americano”, acrescenta o neo-zelador da ortodoxia comunista.
Por má fé ou ignorância (ou por ambas), Aldo Rebelo esquece a história. Não se dá conta que somos o país que mais seqüestrou homens e mulheres negras da África ao longo de quase 400 anos - o último a abolir o crime de lesa-humanidade que foi a escravidão; que de cada 10 dias da história desse país, sete foram vividos sob o regime de trabalho escravo e que a herança do escravismo se manifesta presentemente em todos os indicadores sócio-econômicos.
Mas, isso não tem nenhuma importância para Aldo Rebelo, quando nega ao parecer “sequer a graça da originalidade, pois é imitação servil dos Estados Unidos, país por séculos institucionalmente racista que hoje procura maquiar sua bipolaridade étnica com ações ditas afirmativas”.
O que não tem, definitivamente, nenhuma graça é o discurso do deputado novo parceiro do agronegócio e dos ruralistas e que só neste país - em que partidos comunistas se tornam de direita sem sequer terem a preocupação de mudar de nome - ainda se apresenta como progressista e de esquerda, uma espécie de pós-comunismo para iludir incautos à golpes de ilusionismo e marketing.
No Governo, o deputado encontrou adeptos no ministro da Educação, Fernando Haddad, que disse não vê racismo nas caracterizações de negros feitas no livro, o que possivelmente explique o porquê, com um ministro tão míope para o óbvio, intelectualmente tão desconectado apesar da pose, a Educação tenha sido o único quesito no IDH da ONU a registrar queda desde 2000, o que deixou o país este ano na 73ª posição no ranking.
Por sua vez, o da Igualdade Racial, Elói Ferreira, pretendeu acender uma vela para Deus e outra para o diabo, ao dizer ser “contra o veto”, mas "a favor da Nota Explicativa", para evitar que as crianças negras sofram bullyng - o nome moderninho e da moda, para disfarçar o velho racismo de guerra, que transforma as crianças negras em alvo de zombarias, de vexames, humilhações, quando não de agressões físicas por colegas.
O deputado do PC do B – sobre o qual já se disse ser “o comunista que todo o capitalista gostaria de convidar para o jantar” – se notabilizou na mídia por projetos exóticos, como o que criava o Dia Nacional do Saci, outro que restringia o uso de palavras estrangeiras e obrigava o uso do Português por brasileiros natos e naturalizados e pelos estrangeiros residentes no Brasil há mais de um ano, sob o pretexto de defender a pureza da língua.
Por este último, se não tivesse ido habitar a penumbra dos arquivos da Câmara – onde Rebelo está há cinco longos mandatos - seríamos todos obrigados a chamar “computador de mão” os “Note Books” e “Lap tops”. A mais recente obra do deputado, que não é tolo nem inocente, foi a relatoria do novo Código Florestal denunciado por ambientalistas como um retrocesso que aumentará os desmatamentos.
Ao contrário das duas primeiras iniciativas, com que pretendeu se fazer notar pelo exótico, neste caso da intromissão na polêmica sobre o livro de Lobato, o que pretende é se apresentar como uma espécie de Ivone Maggie de calças, de braços dados e ou disputando com Demétrio Magnolli a condição de chefe da brigada anti-cotas e anti-ações afirmativas para negros.
Seu propósito não declarado é tornar-se uma espécie de “defensor perpétuo do Brasil miscigenado”, sem racismo, a “sociedade nacional”, em que o mito da democracia racial operou o milagre da harmonia e da eliminação de conflitos.
Na verdade, o que o deputado do PC do B diz – isto, sim – não é sequer original. Nada mais faz do que repetir o que outros já disseram até com maior brilho: a defesa da ideologia que mantém intactas as bases de uma sociedade profundamente excludente, profundamente racista e injusta, em que a desigualdade, reserva a nós, os negros, o espaço da subalternidade e da invisibilidade.
O que o deputado, por ignorância, má fé (ou ambas) parece não se dá conta é que o nosso lugar – o não lugar – começa precisamente na Escola, e a manutenção de obras para crianças negras em que sua auto-estima é covardamente destruída tem em livros racistas como o de Lobato, o seu cimento e argamassa.
Como se vê, com aliados desse tipo não precisamos de inimigos. E mais: é até mesmo preferível enfrentar "os Magnolli" e "as Maggies" da vida porque estes, pelo menos, já sabemos quem são e o que defendem.
São Paulo, 24/11/2010
*Dogival é editor do Afropress
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