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A Lei 7/78 de 26 de Maio (Lei dos Crimes Contra a Segurança do Estado – adiante LCCSE) é um instrumento legal de carácter repressivo legitimado pelo Estado angolano de opção centralista pro-comunista contra os efeitos da instabilidade política da época e das guerras sustentadas pelo ambiente da guerra fria em que o mundo mergulhou, após a 2ª Guerra Mundial.

Igualmente reforçada pelo conturbado processo de independência em que os movimentos de libertação que terão negociado os acordos de Alvor mediado por Portugal, como potência colonizadora, em que ficou assumido o compromisso para a divisão do poder político entre as três principais forças políticas militarizadas (FNLA, MPLA e UNITA) para a composição do Governo de transição, enquanto projecto que acabou dissolvido pelas desconfianças e estratégias engendradas pelas várias potências ocidentais disputando a hegemonia sobre o novo país programado a nascer com a proclamação da independência de 1975. Tendo traído as expectativas dos movimentos políticos seus parceiros (FNLA e UNITA) que assim se viram forçados a mobilizar forças estrangeiras (zairenses e sul-africanos) para combater a tendência de exclusão política apoiada pelos russos e cubanos, para além de se ver sacudido por uma brutal perseguição política dos seus membros que culminou com o célebre massacre de 27 de Maio, o MPLA, auto-proclamado representante único do povo angolano, se vê na condição de vítima permanente de inimigos multilaterais. Como consequência, os angolanos vêem, nos anos que se seguem, os seus direitos fundamentais manifestamente restringidos com a introdução de instrumentos como a DISA (Polícia de feição política com fortes poderes repressivos), recolher obrigatório para todos os cidadãos a partir das primeiras horas da noite, viagens e passagens interprovinciais autorizadas mediante guias de marchas, serviços militar obrigatório forçado por recrutamentos discricionários em que as idades mínima ou mesmo máxima nem sempre eram respeitadas entre outros mecanismos compulsivos e repressivos da época para impor uma vigilância política extrema.

É neste ambiente de inimigos internos e externos, identificados ou não, que nasce a famigerada LCCSE. Não estranha que a mesma comporte matérias que reflectem um clima de insegurança generalizado vivido pelo MPLA como partido proclamador da independência da nação. Não é por acaso que é introduzido o tristemente célebre art.º 26.º procurando interpretar quaisquer actos vistos na conveniência da extinta DISA como atentadores contra a Segurança do Estado e na base delas centenas de milhares de vidas tenham desaparecido naqueles tenebrosos momentos da vida política nacional. A LCCSE vai dividir as principais matérias de segurança do Estado em Segurança Externa (art.º 1º e SS) e Segurança Interna (art.º 16º e SS) e dispõem a partir destas um conjunto de dispositivos normativos envolvendo molduras penais com fortes penalidades com vista a inspirar o terror entre os “inimigos do Estado” e motivar a sua captura ou denúncia pelos cidadãos bem como a sua vigilância pela CPPA, pelos múltiplos organismos de segurança e vigilância criados desde então como as BPV (Brigadas Populares de Vigilância) ou ODP (Organização de Defesa Popular) e mesmo pelas organizações de massas do partido como a OPA (Organização do Pioneiro Agostinho Neto), JMPLA ou OMA. É o MPLA-Povo mobilizado para a protecção do Estado pro-comunista. Há então normas incriminadoras que confundem as preocupações do Estado com as do partido único ao ponto de confundir as matérias estritamente ligadas à segurança do Estado por um lado e são estatuídas condutas que vão para além da necessidade de segurança do Estado por outro lado.

O que leva o cidadão a ter sérias dificuldades em compreender o verdadeiro conceito de segurança de Estado e as respectivas matérias jurídicas deste âmbito. Dentre estas normas são de destacar a incriminalização de condutas como o arrancamento e supressão de sinais fronteiriços (art.º11º) – quando é certo que esta conduta em nada implica a alteração do espaço territorial oficial do Estado; ofensa à honra do Chefe de Estado ou membros de governos estrangeiros (art.º12º) – Quando a tutela jurídica dos direitos de personalidade noutros diplomas legais bem cuida destes aspectos; o conceito de traição à pátria leva em conta a prática de uma conduta praticamente impossível: o da entrega do território angolano a um país estrangeiro (art.º 1º, n.º 1); a desnecessária relevância criminal para efeitos de segurança da difamação do Estado angolano (art.º 8.º), entre outros. Não há dúvidas que o aludido art.º 26º seja dentre todos, o mais perigoso, por permitir a subsunção legal de quaisquer factos tidos como relevantes para as autoridades oficiais como sendo crime contra a Segurança do Estado. Pois, estabelece o corpo da norma que “Todo e qualquer acto, não previsto na lei, que ponha ou possa pôr em perigo a segurança do Estado, será punido…”. Outros dispositivos normativos tornam mais evidente a inadequação da LCCSE aos momentos actuais: casos de incriminação do Lock-out e incitamento à greve (art.º 23º); da instigação à desobediência colectiva (art.º 24º); a definição duvidosa do crime de rebelião (art.º 19º), etc. Está claro que a LCCSE põe em causa o conceito de Estado e a segurança que lhe é inerente procurando acautelar no fundamental os perigos divisados no interior do partido que lhe sustentava. Uma das confusões desta Lei é a preocupação sobranceira de acautelar a Independência em detrimento da própria soberania do Estado, quando é certo que a independência reconhecida internacionalmente é um título jurídico-político irreversível e como tal insusceptível de ser ameaçado. É a soberania que resulta da independência, como elemento frágil por sujeito a flutuações políticas, que carece de protecção e tutela jurídica desta natureza. Confusão que resulta das preocupações partidárias e não políticas da época. Já que à luz dos acordos de Alvor, o MPLA receava novas independências que podiam ser reivindicadas ou pela FNLA ou pela UNITA.

O Estado foi durante muitas escolas políticas entendido como o conjunto de três elementos essenciais, nomeadamente o território, o povo e o poder. Modernamente as correntes mais convincentes entendem o Estado como sendo o substracto humano: o povo. O território e o poder são meros sustentáculos ou condições materiais de uma realidade fundamental assente no substracto humano. Na verdade as leis constitucionais têm como objectivo último proteger os mais sensíveis e profundos interesses comuns dos cidadãos em que se incluem o próprio território e o poder que exerce a soberania originalmente detida pelo povo. Assim sendo, o conceito de segurança de Estado deve evoluir no mesmo sentido. Neste conceito a integridade física do Chefe de Estado pode ser considerado no âmbito da tutela da segurança do Estado como condição de integridade do poder soberano conducentes dos interesses do povo, mas nunca a integridade moral (ofensa à honra, difamação, etc.).

Não diz respeito a segurança do Estado que o Presidente da República seja insultado ou injuriado porque tais actos não põem em causa e nem condicionam o exercício do poder político confiado pelo povo. Da mesma forma é discutível a relevância absolutamente política da segurança do Estado ou seja pensar que segurança do Estado é a mera conservação dos órgãos de soberania e do território administrado em detrimento de outros interesses igualmente importantes e profundos do povo resulta numa deturpação do conceito de Estado e da segurança que lhe subjaz. Sendo o povo o elemento central do Estado ao qual diz respeito as matérias relativas a segurança do Estado é de todo útil considerar matéria de segurança de Estado tudo o que coloca em perigo a existência harmoniosa da sociedade e a sobrevivência do povo. Neste prisma a existência injustificada da pobreza extrema e da fome e miséria em grande escala, a ocorrência de catástrofes naturais por omissão do Estado ou acidentes de grandes efeitos sociais devido a condutas de certos agentes públicos e mesmo até de certas endemias ou pandemias causadores de graves prejuízos sociais porém susceptíveis de prevenção, a acumulação de dívidas públicas para além da capacidade do Estado em cumprir com os respectivos serviços de dívidas onerando em consequências as gerações futuras, o incumprimento negligente ou doloso de programas executivos, resultantes de promessas eleitorais, em prol do desenvolvimento social e económico dos cidadãos, a nomeação de juízes como factor de ingerência no poder judicial, entre outras matérias, podem ser considerados factos relevantes para a Segurança do Estado.

É claro que esta variante da segurança do Estado coloca os titulares dos órgãos de soberania e demais decisores do Estado e órgãos afins nos mais variados escalões hierárquico no centro da autoria das condutas juridicamente relevantes para a segurança do Estado. O que não foge às tendências das constituições modernas em que, por exemplo, o crime de lesa-pátria (alta traição) é fundamentalmente atribuído ao Presidente da República ou Chefe de Estado e/ou do Executivo (conforme caso). E faz sentido. Em boa verdade, a segurança do Estado só pode ser colocada em causa por quem tem a responsabilidade de o administrar (titulares de órgãos de soberania) e não o destinatário desta administração (povo). E o povo, pelo contrário, deve garantir a protecção dos seus interesses contra os actos de gestão dos seus mandatários prevenindo dentre os mesmos aqueles que põem em causa a segurança de todos os cidadãos, i.é, a segurança do Estado.

A consideração de base é, nesta reflexão reformista das leis de segurança do Estado, a gestão danosa do Estado que deve acarretar as mais graves consequências jurídicas aos seus autores à semelhança dos crimes mais relevantes contra a segurança do Estado. Vindo disto que, os roubos ou furtos (conforme classificação oportuna) operados em instituições públicas envolvendo somas avultadas (i.é, a partir de certos montantes pecuniários) que põem em causa a estabilidade financeira das instituições públicas devem ser considerados como sendo condutas sancionáveis no âmbito das matérias tuteladas pelas leis de segurança do Estado. Aqui estaríamos a transplantar na legislação sobre a segurança do Estado uma feição económica e social (sobrevivência do povo) que se junta a feição política (conservação dos órgãos de soberania e da integridade territorial), para além de introduzir a tutela civil em reforço para a garantia efectiva dos interesses protegidos pela Lei. Estaríamos perante uma nova Lei (Lei Sobre a Segurança do Estado e não mais Lei dos Crimes Contra a Segurança do Estado) prevendo a responsabilidade civil ao lado da responsabilidade criminal em matéria de segurança do Estado, levando deste modo a sua conformação com as opções políticas, económicas e sociais fundamentais admitidas na III República.

* Albano Pedro contribui com o jornal Semanário Angolense, onde primeiro foi publicado.
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