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Declaração final do encontro defende a construção de novos valores para a humanidade, baseados na solidariedade e na justiça social para homens e mulheres. Convoca, ainda, os ativistas para um dia de ação global contra o capitalismo, em outubro.

O ativista tunisiano Fathi Chankhi, da Frente 14 de Janeiro, criada pelos revoltosos tunisianos que derrubaram a ditadura de Ben-Ali, em janeiro, emocionou aqueles que acreditam na força de um povo contra os poderosos.

Ao falar quinta-feira (10) na Assembléia dos Movimentos Sociais, encontro que costuma marcar os últimos dias de um Fórum Social, Chankhi teve seu discurso entrecortado várias vezes pelos aplausos dos milhares de ativistas que lotaram o Grande Anfiteatro da Univerisdade de Dacar.

A vitoriosa sublevação tunisiana teve início com o ato de sacrifício de um camponês, lembra Chankhi. A onda de protestos começou quando Mohamed Bouazizi, um camelô que teve seus produtos apreendidos pela polícia, ateou fogo ao próprio corpo como forma de protestar.

Após o ato de desespero de Bouazizi, o povo tunisiano levantou-se contra um regime autoritário apoiado pelo Ocidente e que já durava 23 anos. Depois, a "revolução tunisiana" passou a varrer o Egito e outros países do Norte da África e do Oriente Médio.

Chankhi sabe que o processo de construção de uma nova Tunísia enfrentará obstáculos, sobretudo por seu caráter radical. "Nosso movimento é uma revolução social anticapitalista", diz ele.

"Queremos eleições livres e assembléia constituinte. Um comitê popular, serviços públicos gratuitos, socialização dos bancos, anulação da dívida, lei de igualdade para as mulheres, um governo democrático a serviço dos trabalhadores", explica.

Agenda intensa

Como é um dos espaços mais radicalizados do Fórum Social Mundial, a Assembléia dos Movimentos Sociais celebrou o sonho de Chankhi. A declaração final do encontro defende a construção de novos valores para a humanidade, baseados na solidariedade e na justiça social para homens e mulheres. "Convocamos (...) a um dia de ação global contra o capitalismo: o 12 de outubro, onde, de todas as maneiras possíveis, rechaçaremos este sistema que destrói tudo por onde passa", diz o texto.

O documento oferece ainda um roteiro de protestos contra os poderosos do mundo. Haverá ações em todo o mundo no dia 20 de março, em favor de Tunísia e Egito; protestos contra a reunião do G-8, em junho, e a do G-20, em novembro, ambos na França; debates paralelos sobre a Conferência das Partes das Nações Unidas sobre o Clima (COP-17), também em novembro; e uma série de ações por conta da Rio+20, conferência da ONU que marcará os 20 anos da ECO-92 e que também será realizada no Rio de Janeiro, em 2012.

A seguir, a íntegra da declaração aprovada na Assembléia dos Movimentos Sociais.

"Declaração da Assembleia dos Movimentos Sociais
FSM Dacar, Senegal, 10 de fevereiro de 2011

Nós, reunidos na Assembleia de Movimentos Sociais, realizada em Dacar durante o Fórum Social Mundial 2001, afirmamos o aporte fundamental da África e de seus povos na construção da civilização humana. Juntos, os povos de todos os continentes enfrentamos lutas onde nos opomos com grande energia à dominação do capital, que se oculta detrás da promessa de progresso econômico do capitalismo e da aparente estabilidade política. A descolonização dos povos oprimidos é um grande desafio para os movimentos sociais do mundo inteiro.

Afirmamos nosso apoio e solidariedade ativa aos povos da Tunísia, do Egito e do mundo árabe que se levantam hoje para reivindicar uma real democracia e construir poder popular. Com suas lutas, eles apontam o caminho a outro mundo, livre da opressão e da exploração.

Reafirmamos enfaticamente nosso apoio aos povos da Costa do Marfim, da África e de todo o mundo em sua luta por uma democracia soberana e participativa. Defendemos o direito à auto-determinação de todos os povos.

No processo do FSM, a Assembleia de Movimentos Sociais é o espaço onde nos reunimos desde nossa diversidade para juntos construir agendas e lutas comuns contra o capitalismo, o patriarcado, o racismo e todo tipo de discriminação.

Em Dakar celebramos os 10 anos do primeiro FSM, realizado em 2001 em Porto Alegre, Brasil. Neste período temos construído uma história e um trabalho comum que permitiu alguns avanços, particularmente na América Latina onde conseguimos frear alianças neoliberais e concretizar alternativas para um desenvolvimento socialmente justo e respeituoso com a Mãe Terra.

Nestes 10 anos, vimos também a eclosão de uma crise sistêmica, expressa na crise alimentar, ambiental, financeira e econômica, que resultou no aumento das migrações e deslocamentos forçados, da exploração, do endividamento, das desigualdades sociais.

Denunciamos o desafio dos agentes do sistema (bancos, transnacionais, conglomerados midiáticos, instituições internacionais etc.) que, em busca do lucro máximo, mantêm com diversas caras sua política intervencionista através de guerras, ocupações militares, supostas missões de ajuda humanitária, criação de bases militares, assalto dos recursos naturais, a exploração dos povos, a manipulação ideológica. Denunciamos também a cooptação que estes agentes exercem através de financiamentos de setores sociais de seu interesse e suas práticas assistencialistas que geram dependência.

O capitalismo destroi a vida cotidiana das pessoas. Porém, a cada dia,nascem múltiplas lutas pela justiça social, para eliminar os efeitos deixados pelo colonialismo e para que todos e todas tenhamos uma qualidade de vida digna. Afirmamos que os povos não devemos seguir pagando por esta crise sistêmica e que não há saída para a crise dentro do sistema capitalista!

Reafirmando a necessidade de construir uma estratégia comum de luta contra o capitalistmo, nós, movimentos sociais:

Lutamos contra as transnacionaisporque sustentam o sistema capitalista, privatizam a vida, os serviços públicos, e os bens comuns, como a água, o ar, a terra, as sementes, e os recursos minerais. As transnacionais promovem as guerras através da contratação de empresas militares privadas e mercenários, e da produção de armamentos, reproduzem práticas extrativistas insustentáveis para a vida, tomam de assalto nossas terras e desenvolvem alimentos transgênicos que tiram dos povos o direito à alimentação e eliminam a biodiversidade.

Exigimos a soberania dos povos na definição de nosso modo de vida. Exigimos políticas que protejam as produções locais que dignifiquem as práticas no campo e conservem os valores ancestrais da vida. Denunciamos os tratados neoliberais de livre comércio e exigimos a livre circulação de seres humanos.

Seguimos nos mobilizando pelo cancelamento incondicional da dívida pública de todos os países do Sul. Denunciamos igualmente, nos países do Norte, a utilização da dívida pública para impor aos povos políticas injustas e antissociais.

Mobizemo-nos massivamente durante as reuniões do G8 e do G20 para dizer não às políticas que nos tratam como mercadorias.

Lutamos pela justiça climática e pela soberania alimentar. O aquecimento global é resultado do sistema capitalista de produção, distribuição e consumo. As transnacionais, as instituições financeiras internacionais e governos a seu serviço não querem reduzir suas emissões de gases de efeito estufa. Denunciamos o “capitalismo verde” e rechaçamos as falsas soluções à crise climática como os agrocombustíveis, os transgênicos e os mecanismos de mercado de carbono, como o REDD, que iludem as populações empobrecidas com o “progresso”, enquanto privatizam e mercantilizam os bosques e territórios onde viveram milhares de anos.

Defendemos a soberania alimentar e o acordo alcançado na Cúpula dos Povos Contra as Mudanças Climáticas e pelos Direitos da Mãe Terra, realizada em Cochabamba, onde verdadeiras alternativas à crise climática foram construídas com movimentos e organizações sociais e populares de todo o mundo.

Mobilizemos todas e todos, especialmente o continente africano, durante a COP-17 em Durban, África do Sul, e a Rio+20, em 2012, para reafirmar os direitos dos povos e da Mãe Terra e frear o ilegítimo acordo de Cancún.

Defendemos a agricultora camponesa que é uma solução real à crise alimentar e climática e significa também acesso à terra para quem nela vive e trabalha. Por isso chamamos a uma grande mobilização para frear a concentração de terras e apoiar as lutas camponesas locais.

Lutamos para banir a violência contra a mulherque é exercida com regularidade nos territórios ocupados militarmente, porém também contra a violência que sofrem as mulheres quando são criminalizadas por participar ativamente das lutas sociais. Lutamos contra a violência doméstica e sexual que é exercida sobre elas quando são consideradas como objetos ou mercadorias, quando a soberania sobre seus corpos e sua espiritualidade não é reconhecida. Lutamos contra o tráfico de mulheres e crianças.

Defendemos a diversidade sexual, o direito à autodeterminação do gênero, e lutamos contra a homofobia e a violência sexista.

Mobilizemo-nos, todos e todas, unidos, em todas as partes do mundo para banir a violência contra a mulher.

Lutamos pela paz e contra a guerra, o colonialismo, as ocupações e a militarização de nossos territórios. As potências imperialistas utilizam as bases militares para fomentar conflitos, controlar e saquear os recursos naturais, e promover iniciativas antidemocráticas como fizerem com o golpe de Estado em Honduras e com a ocupação militar em Haiti. Promovem guerras e conflitos como fazem no Afeganistão, Iraque, República Democrática do Congo e em vários outros países.

Intensifiquemos a luta contra a repressão dos povos e a criminalização do protesto e fortaleçamos ferramentas de solidariedade entre os povos como o movimento global de boicote, desinvestimentos e sanções contra Israel. Nossa luta se dirige também contra a Otan e pela eliminação de todas as armas nucleares.

Cada uma destas lutas implica uma batalha de idéias, na que não poderemos avançar sem democratizar a comunicação. Afirmamos que é possível construir uma integração de outro tipo, a partir do povo e para os povos, com a participação fundamental dos jovens, mulheres, camponeses e povos originários.

A assembléia dos movimentos sociais convoca as forças e atores populares de todos os países a desenvolver duas ações de mobilização, coordenadas a nível mundial,para contribuir à emancipação e autodeterminação de nossos povos e para reforçar a luta contra o capitalismo.

Inspirados nas lutas do povo da Tunísia e do Egito, chamamos a que o 20 de março seja um dia mundial de solidariedade com o levante do povo árabe e africano que em suas conquistas contribuem às lutas de todos os povos: a resistência do povo palestino e saharauí, as mobilizações européias, asiáticas e africanas contra a dívida e o ajuste estrutural e todos os processos de mudança que se constroem na América Latina.

Convocamos igualmente a um dia de ação global contra o capitalismo: o 12 de outubro, onde, de todas as maneiras possíveis, rechaçaremos este sistema que destrói tudo por onde passa.

Movimentos sociais de todo o mundo, avancemos até a unidade a nível mundial para derrotar o sistema capitalista!

Venceremos!"

* Marcel Gomes escreve para o Carta Capital

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