A Guiné Bissau tem necessidade de uma nova liderança política
Em primeiro de Março 2008, uma bomba explode no quartel general da armada guineense, provocando a morte do chefe de Estado Maior general Tagme Na Wai. Entre este último e o presidente da República Nino Vieira, havia uma grande adversidade. Algumas horas mais tarde, este último foi assassinado em casa por homens ainda não identificados, mas sendo sem dúvida, elementos das forças de segurança. Com o poder assim decapitado, a Guiné-Bissau vive o epilogo sangrento de um conflito entre dois homens que há muito tempo tem pesado sobre a vida política do país. Investigador o CODESRIA, Carlos Cardoso analisa a evolução que efetuou sobre resultado dramático e desenha perspectivas para este país.
Pambazuka News: A crise política e institucional na Guiné Bissau, ha muito tempo esta cristalizada ao redor de rivalidades entre o presidente Nino Vieira e o chefe de Estado Maior Tagma na Wai. O seu desaparecimento simultâneo e violento pode criar um choque favorável à estabilidade neste país?
Carlos Cardoso: Na minha opinião, não é necessário superestimar o impacto destes acontecimentos. É necessário que outros fatores entrem em conta para alterar as relações os relatórios no espaço político. Porque a Guiné-Bissau sofre de maneira geral de uma má governança. Dito isto, os desaparecimentos de Nino Vieira e de Tagme Na Way provocaram perturbações, porque tinham uma influência enorme na vida política e o meio dos exércitos. É necessário também reconhecer que estes dois homens cristalisaram as contradições insolúveis que muito tempo têm mantido a situação conflituosa na Guiné Bissau.
Pambazuka News: O que é o fazia-os adversários?
Essa disputa vinha de longe. Tagme Na Wai e Nino Vieira são duas personalidades que compartilharam uma longa história na vida política de Guine Bissau, mas também das relações individuais que datam da luta de liberação nacional. Pode-se falar rivalidades entre dois homens que se distinguiram como combatentes. Mas apesar da personalidade e a estatura de líderes como Amilcar Cabral e outros, que estavam à cabeça da luta de liberação nacional, Nino tendia a desenvolver, a partir desta época, um culto da personalidade. Este excesso de pretensão criou relações difíceis e rivalidades. Com alguns, tal como Tagme Na Wai, cristalizadas ao longo dos anos.
Essas relações degradaram-se ainda mais com o golpe de Estado de 1985 contra Nino, quando Tagme Na Wai foi acusado ser um dos elementos da tentativa de desestabilização (1). Outro episódio remete à rebelião de 1998 em que se vira Tagme Na Wai pôr-se ao lado de Ansumana Cesto (2).
Apesar de tudo (e isto as pessoas o explicam dificilmente) quando Tagme Na Wai foi nomeado chefe de Estado-maior das forças armadas (diga-se em 2001, após o assassinato de Ansumana Cesto) e que, seguidamente, Nino Vieira fez-se de eleger chefe do Estado (em 2005), os dois homens passaram a relacionar-se de modo que todos sabiam não eram sã. Sabia-se que um não podia eliminar o outro, tampouco podiam estar juntos. Tinha-se dois pólos de potência que dominavam a vida política de um lado e as forças militares do outro. E estas relações eram tanto complexas e tensas, que na Guiné-Bissau a vida política é marcada por uma ingerência muito forte das forças armadas.
Face a isto qualquer pode-se por conseguinte dizer que a morte de Tagme Na Wai e de Nino Viera vai alterar coisas na Guiné-Bissau. Até à qual ponto? Não se pode dizê-lo ainda.
Pambazuka News: Porque, mais de 30 anos após a luta de liberação nacional, o exército continua ter um peso também importante na vida política?
Carlos Cardoso: Em grande parte, é devido à força desta herança de luta que marcou a sociedade guineense. Tanto que após a independência, o novo poder não efetuou as reformas necessárias para definir e fazer compreender interessados sobre o papel do exército num Estado republicano. Aquilo acrescenta-se um oportunismo por parte das políticas que, querendo rapidamente chegar ao poder ou perpetuar-se no poder, sempre tentaram cultivar compromissos com as forças armadas. Portanto, desenvolveu-se um contexto onde o exército tivesse-se tornado um elemento central. Os conflitos políticos não se resolviam pela via pacífica, mas utilizando o exército como um instrumento. As políticas instrumentalizavam, em certa medida, o exército aos seus próprios fins.
Há, por conseguinte, um conjunto de fatores convergentes que explicam como chegou-se à uma situação onde o exército sempre teve uma forte implicação na política.
Pambazuka News: Há elementos de estabilização que podem permitir a Guiné-Bissau sair deste ciclo de violência?
Carlos Cardoso: Para isso, é necessário trabalhar para uma nova liderança. É necessário fazer tomar consciência aos políticos do fato de que a cena política é um espaço de expressão onde o exército não tem o seu lugar e que o seu papel na República é muito bem definido. É necessário também efetuar reformas consequentes para pôr os antigos combatentes reserva, muito dando-lhes um lugar reconhecido na sociedade. Efetuaram uma luta de liberação nacional e devem ter o devido reconhecimento, assim como direitos devem ser concedidos. Esta reforma seria um passo importante de modo que a liderança política esteja inteiramente entre as mãos dos civis.
Pambazuka News: Há muito fala-se de tal reforma. É uma perspectiva realizável à curto prazo agora?
Carlos Cardoso: É possível, à condição de que uma vez mais, os políticos estejam conscientes das responsabilidades que eles tem. Há anos que fala-se desta reforma das forças armadas como uma condição necessária para a estabilidade política da Guiné-Bissau, mas os malogros encontrados significam apenas que aquilo é impossível. Tudo depende da vontade política. E penso que as coisas vão ficar mais fáceis, porque há uma nova geração que se aponta. Jovens que não viveram a guerra de liberação. Com eles também, a Guiné-Bissau possui quadros formados em academias de grande notoriedade, com uma compreensão diferente da política, da governança de um país, da ordem republicana. Esta geração tem ainda, oposto dela, os antigos, mas a mutação vai fazer-se. Pode mesmo começar agora, se chega-se a provocar esta reforma dos exércitos para fazer uma instituição moderna, à altura dos desafios que se põem à Guiné-Bissau.
Pambazuka News: Ao final de uma transição de 60 dias, efetuada pelo presidente da Assembléia Nacional Raimundo Pereira, deve-se ir a uma nova eleição presidencial. Pensam que este calendário possa ser respeitado?
Carlos Cardoso: O que se passa é um cenário sobre o qual já tinha pensado. Eu temia que reencontrássemos a dever gerir tal transição, devido ao vazio a nível do poder. Mas, uma vez mais, continuo a ser otimista em relação ao respeito ao calendário constitucional se a vontade política existe. É verdade que há problemas estruturais. A Guiné-Bissau é um país praticamente descapitalizado, com déficits enormes a nível dos meios financeiros. Mas na vida, na vontade dos homens de bem, o elemento financeiro não é a mais causa determinante.
Acredito que seja desde já muito positivo que o Primeiro Ministro confirmasse a possibilidade de ir à eleições nos prazos previstos pela Constituição. E, se a comunidade internacional vai neste sentido, prestando os apoios necessários, se a Comunidade dos Estados da África do Oeste compromete-se, podemos chegar lá. Mas não sou também ingênuo para dizer que, num país onde problemas essenciais colocam-se do ponto de vista do funcionamento da administração e das instituições, tudo pode andar como que sobre rodas. Penso simplesmente que há desafios a aumentar e que é possível superá-los. Quanto ao resto, pode-se especular num sentido ou o outro.
Pambazuka News: Se estas eleições firmarem-se, você vê o equilíbrio político atual manter-se ou balançar?
Carlos Cardoso: Sobretudo, é necessário que guardemos em seu devido lugar o governo atual, instalado após as eleições legislativas de Novembro de 2008. Se ele se abre ao diálogo com as outras forças políticas (e aquilo é necessário nesta fase de transição) será possível ir para eleições transparentes e justas. Sairá um balanço das forças políticas? Não tenho a impressão que a oposição seja mais forte neste momento. Pelo contrário.
Na minha percepção, as eleições legislativas de novembro passado mostraram que a oposição perdeu da sua potência. E, contrariamente que pode-se pensar, o PAIGC (partido majoritariamente no poder) pode tornar-se mais forte ainda com a morte de Nino Vieira, porque este último, ele mesmo, mantinha muitas contradições que podiam enfraquecer o seu partido. Nomeadamente problemas de liderança com Carlos Gomez Júnior (Anotação: atual Primeiro ministro). Hoje que Nino morreu, será mais fácil para o PAIGC, reconciliar-se com ele mesmo e governar na estabilidade com a sua maioria parlamentar.
Mas meu raciocínio parte do fato de que o PAIGC ganhe as próximas eleições. Pois não sabemos ainda quem serão os próximos candidatos. E se o vencedor não sai deste partido, será difícil a ele de governar. Ainda assim, isso dependera muito da personalidade daquele que for eleito.
Pambazuka News: O senhor evoca as contradições nos meios políticos e militares para explicar a crise estrutural do poder na Guiné-Bissau. Mas não há uns outros fatores explicativos destas violências?
Carlos Cardoso: Com efeito, há muito coisas que entram em conta. Mas não compartilho a tese segundo a qual os guineenses são violentos por natureza, que há uma cultura da violência. É um determinismo que nem é justificado nem justificável. É verdadeiro que a violência, como modo de resolução dos conflitos, instalou-se no país e transformou-se progressivamente com efeito da política. Pode-se mesmo falar de um fato cultural como machismo que é evocado para explicar certos comportamentos violentos. Mas antes de uma cultura de violência, vive-se uma tradição de violência.
Outro fato é que Balantas, que constituem a etnia majoritária, têm um passado de combatentes e tomaram uma parte determinante na luta de liberação nacional. Para alguns, os Balantas, que Cabral (3) ele mesmo dizia que “eram uma força importante”, não foram recompensados na medida o seu compromisso na luta. Da mesma maneira que as forças campesinas. A independência adquirida, a liderança, e qualquer o que vai com em termos de privilégios, foi à elite intelectual, essencialmente constituída pela etnia Papel. Certas contradições vêm lá, ao redor do qual elementos de violência estruturaram-se. Mas isso não é suficiente para falar de uma sociedade violenta.
Pambazuka News: A Guiné-Bissau passa também para um narco-estado. Qual dimensão que os interesses ligados ao tráfico de droga pode tomar nas violências que acontecem neste lugar.
Carlos Cardoso: É sem dúvida um elemento importante da crise atual. O tráfico de droga, de acordo com qualquer verossimilhança, implica muitos militares.É dado que a Guiné Bissau tem um exército onipresente nos negócios públicos, todas as contradições que agitam-no abalam o Estado. Tagma Na Way era apresentado como muito ativo no combate a droga. Em contrapartida, Vieira não dava a mesma impressão. E talvez tivessem divergências deste ponto de vista.
Em todo caso, uma imagem negativa continuou a ser colada à Nino, relativo à maneira como retornou de exílio para participar nas eleições de 2005 e de ganhar. Aterrou à Bissau em helicóptero, enquanto que o espaço aéreo tivesse-lhe sido proibido. Aquilo foi um mau exemplo como desafio levado nas leis e regulamentos do país. E o paralelo fazia-se com a maneira como comportam-se os narcotraficantes, capazes de pôr-se em qualquer lugar com pequenos aviões e repartir nem vistos nem conhecidos.
Pambazuka News: Na Angola, a morte Jonas Sawimbi foi um fato de paz e de estabilização política. Pode-se pensar, com a Guiné Bissau, que os desaparecimentos de Tagme Na Wai e de Nino Vieira possam ter o mesmo efeito?
Carlos Cardoso: Há limites nesta comparação. Na Guiné-Bissau, houve uma bipolarização que se traduziu na personalização do poder por dois homens. E sabia-se que cada um tentava fazer desaparecer o outro da cena pública. De resto, empresta-se à Tagme uma declaração segundo a qual teria dito que se ele morresse de manhã, enterrar-se-ia Nino a noite. Este era o ambiente que prevalecia em Bissau. Em Angola, a morte de Savimbi enfraqueceu o seu partido UNITA, e Costas Santos permaneceu com o MPLA. Mas no caso da figura guineense, ambos protagonistas morreram. Donde, procuramo-nos.
Além disso, não é necessário crer que a Angola resolveu o seu problema com a morte de Sawimbi. Este país conhece contradições ainda importantes a nível social, ligadas aos desequilíbrios notados na distribuição das rendas, nomeadamente os rendimentos do petróleo. Ora, em todo caso, a estabilidade de um Estado, não se reduz à política e ao militar.
NOTAS
1 – Levado ao poder em 1980 por um golpe de Estado que destituiu Luis Cabral, o primeiro presidente da Guiné-Bissau independente, Nino Vieira teve três insucessos em 1983, 1985 e 1993, antes de ser demitido em 1999. Detido após o putsch de 1985, Tagme Na Wai foi por muito tempo detido e for a objeto de graves sevícias.
2 - Em 1998, uma rebelião armada efetuada pelo chefe de Estado-maior Ansumane Cesto, tira do poder de Nino Vieira. Este último é salvo pela intervenção das forças armadas senegalesas.
3 - Amilcar Cabral, assassinado em 1973, Conakry, pelos serviços portugueses, era o chefe do Partido Africano da Independência da Guiné e o Cabo Verde (PAIGC) que efetuou a luta de liberação nacional que conduziu à independência em 1974.
*Carlos Cardoso é antropólogo e filósofo, é pesquisador e administrador de programa no CODESRIA - Dacar
*Entrevista concedida a Tidiane Kasse - Redator chefe do Pambazuka em Francês, em Dacar
*Traduzido por Alyxandra Gomes Nunes - Co-editora Pambazuka News em Português
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